Mídia e Espiritismo: Breve Análise do ''Caso Isabella Nardoni''
Para uma análise ponderada de qualquer assunto à luz do Espiritismo, deve-se ter o cuidado de não confundir os costumes humanos com a ética divina, e todos nós já ouvimos a expressão evangélica "a César o que é de César e a Deus o que é de Deus". Ou seja: uma coisa é a Lei do Estado, lei dos homens, que sempre muda, porque tem base nos costumes, e estes, não raro, podem esconder mazelas e são mutáveis, segundo os interesses dos próprios seres humanos; e outra coisa, muito diferente, é a Lei de Deus, ou Lei da Natureza, que não decorre de qualquer Legislativo da Terra e que é imutável, porque se funda na ética divina da suprema justiça. Com isso, já podemos começar.
É colossal o volume de notícias e do que já se falou a respeito do "Caso Isabella". Entre os meses de março, abril e maio de 2008, a imprensa brasileira (escrita, radiofônica e televisionada) destinou todo o seu espaço à notícia da morte da menina Isabella Nardoni, de cinco anos, jogada do 6º andar do prédio onde se achava, na Zona Norte da Capital de São Paulo, tendo como principais suspeitos o pai e a madrasta de inocente criança. Grande massa da população, ávida de curiosidade, foi levada quase à histeria, ante as imagens repetidas, os comentários apressados de algumas autoridades e as "conclusões" de parte do povo, especialmente no desenrolar das investigações e das perícias. Houve a prisão temporária do casal, concedida pelo juízo criminal, depois relaxada pelo Tribunal, e as investigações prosseguiram. Encerradas apurações, com testemunhos e provas periciais, e o indiciamento criminal do casal, a autoridade de Polícia Judiciária relatou o Inquérito Policial e, ao mesmo tempo, representou sobre a prisão preventiva dos indiciados, e esta foi decretada pelo magistrado, com isso concordando o Promotor de Justiça, que, inclusive, formalizou sua denúncia de homicídio qualificado contra o pai e a madrasta da vítima. Estes, resumidamente, os fatos.
O caso foi noticiado por toda a mídia mundial. Juristas, sociólogos, psicólogos, jornalistas e outros especialistas se manifestaram a respeito. Com toda a desgraça, sem dúvida, quem faturou em audiência e, consequentemente, em cifras foram os órgãos de comunicação, dando cores ao mórbido filão da miséria humana. Aliás, numa pesquisa do Instituto Datafolha, feita entre pessoas acima de 16 anos, em São Paulo, embora elogiando o desempenho da Polícia e da Justiça no caso, os leitores e telespectadores paulistanos "acreditam que jornais (57%) e emissoras de TV (73%) foram parciais" em suas manifestações sobre o triste assassinato da criança. Pois bem. O magistrado, confirmando a força da mídia, ao justificar o decreto de prisão preventiva do casal, deixou patente que o caso "acabou prendendo o interesse da opinião pública". Mas dois grandes jornais de São Paulo, os mesmos que noticiaram à larga o "Caso Isabella", em seus editoriais, posteriores à decisão do juiz no encarceramento dos indiciados (agora, acusados), trouxeram os seguintes "leads": "Prisão Abusiva", dizendo que "a imagem e a integridade física do casal precisariam ter sido protegidas pela polícia", cujas "autoridades estavam obrigadas a frustrar a expectativa da mídia..."; e outro, "A ‘Justiça Espetáculo’, dizendo que "um ritual de execração pública foi montado contra o casal acusado". É oportuno, agora, perguntar: Quem lucrou, afinal, com a morte da pequena Isabella? Não foram os pais, nem os avós, e muito menos a coletividade.
Quem se predispuser ao estudo sério da Doutrina Espírita, de imediato, descobrirá que não se trata de uma religião, pois não tem dogmas e ensina a fé raciocinada; acompanha sempre os princípios científicos da lição evangélica e moral do Cristo: "Conhece a verdade e a verdade te libertará". Por isso, ninguém vive uma só existência física, porque o corpo é apenas um instrumento – ora como homem, ora como mulher, ora como pai, ora como mãe, ora como filho ou filha, ora como marido, ora como esposa, de qualquer raça, branco, negro, vermelho ou amarelo - para o progresso do espírito, ser inteligente da Natureza e eterno. Além disso, como ensinam as Entidades Superiores, em "O Livro dos Espíritos", de Allan Kardec, a família é uma espécie de escola terrena onde Espíritos renascem para provas e expiações recíprocas, uns distribuindo amor e ensinando o bem, enquanto outros cobram dívidas morais e estabelece a discórdia, vida após vida. Veja-se, por exemplo, a resposta à questão 199 da obra filosófica de Kardec: - "A duração da vida da criança pode ser, para o seu Espírito, o complemento de uma vida interrompida antes do termo devido, e sua morte é frequentemente uma prova ou uma expiação para os pais".
O médium Divaldo Franco, no livro "S.O.S. Família", pelo espírito Joanna de Ângelis, ao falar da vida em família, mostra que as heranças físicas dos filhos vêm dos pais, sim, mas "o caráter, a inteligência e o sentimento procedem do Espírito que se corporifica pela reencarnação", sem dependência genética com os progenitores. Porém, "atados por compromissos anteriores, retornam ao lar, não somente aqueles seres a quem se ama, senão aqueloutros a quem se deve ou que estão com dívidas..." Portanto, ao analisarmos um fato do ponto de vista da vida física e dos costumes do povo, o certo seria que agíssemos como o "bonus pater familiae", com bom senso e não como "justiceiros vingativos". Mas isso é cabedal conseguido pelos espíritos fraternos e justos, que já viveram muitas existências e nelas aprenderam que só a prática do bem produz o bem, que só a luz dissipa as trevas, que só o perdão garante o progresso espiritual.
O jurista Luiz Flávio Gomes, que foi magistrado e hoje advoga em São Paulo, também escreveu sobre o risco do que ele chamou de "processos midiáticos" (que se guiam pelo alarme ou pelo clamor espalhado pelos meios de comunicação), e fazendo-nos refletir sobre a máxima de que "a voz do povo é a voz de Deus", adverte-nos de que devemos desconfiar do "Vox populi, vox Dei, porque "nem sempre a voz do povo ou a voz da mídia é a voz do devido processo legal". Ou seja: todos devemos aspirar à boa justiça, mas sem nos esquecermos das garantias constitucionais, que devem ser respeitadas e aplicadas, mesmo àqueles que, aos olhos de todos, pareçam criminosos, porque, em algum momento de nossas vidas, talvez sejamos nós os envolvidos em situações idênticas às que reprovamos; todos estamos no mesmo caminho de provas e expiações. Evitemos a maledicência e o desejo silencioso de "justiça aos nossos moldes", que será pura vingança. São oportunas as "Palavras de Emmanuel", no livro do mesmo nome, por intermédio de Chico Xavier: "Nosso corpo espiritual, em qualquer parte, refletirá a luz ou a treva, o céu ou o inferno que trazemos em nós mesmos".
O respeitável jurista e também espírita Carlos Imbassahy, no livro "A Mediunidade e a Lei", citando o célebre médico Papus, diz que este achava que o ser humano é comparável a uma carruagem, cujo cocheiro representa o Espírito, o cavalo o corpo astral, e o carro o corpo físico. E como o Espírito é o ser pensante, o ser inteligente da natureza, e nós somos o que pensamos, é de nossa responsabilidade controlar as rédeas desse "cavalo" – perispírito e corpo físico -, para que não soframos nem façamos os outros sofrerem.
Em resumo, todos sabem que o Direito evoluiu, as garantias de liberdade são esteios dos povos civilizados e das nações democráticas. E toda apuração da verdade requer ponderação, para evitar açodamento e desvio irregular, a fim de que, ao final, ocorra um julgamento equilibrado, em que a lei humana se aproxime ao máximo da Lei Divina, para que "cada um receba segundo o seu merecimento", e não segundo a "justiça individual", desejada por essa ou aquela pessoa, muitas vezes, insuflada pelo burburinho da mídia, pelos microfones e pelos holofotes! Oremos pela pequena vítima Isabella, barbaramente assassinada, para que os Espíritos do bem, guardiões da verdade e da justiça, a recebam, e auxiliem na sua caminhada de progresso, mas elevemos também nossas preces aos que forem reconhecidos pelos nobres julgadores como responsáveis pelo seu desencarne, para que se arrependam do mal que fizeram e aprendam, no cárcere e fora deste, nesta e noutras vidas, "jamais fazerem ao próximo o mal que não desejam para si". *A linguagem no tempo presente, dá-se pelo motivo de que o artigo foi originalmente publicado em 2008.