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A QUEM PERDOAR?


Marcelo Pereira


Mas os fariseus, sabendo que ele fizera calar os saduceus, reuniram-se; e um deles, doutor da lei, para o experimentar, fez-lhe esta pergunta: Mestre, qual é o grande mandamento da Lei? Respondeu-lhe Jesus: Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento. Este é o grande e primeiro mandamento. O segundo semelhante a este é: Amarás ao teu próximo como a ti mesmo. Destes dois mandamentos dependem toda a Lei e os profetas. (Mateus, 22: 34-40)


Da leitura desse trecho do evangelho salta-nos à compreensão de qual seja o pilar da Boa Nova cristã, e que tem no amor a sua expressão fundamental, pois que não se pode dirigir-se a Deus, e postular ingresso no seu Reino de bondade, se não envergarmos, em nossa organização corporal, a plenitude do amor.


Para o Apóstolo da beatitude, Francisco de Assis, “o amor é o centro da Vida, na vida de Deus[i], e é Cristo o amor em todas as suas formas de caridade. O amor universal é a verdadeira religião, e quem buscar a felicidade fora de si, nunca a encontrará, pois ela mora no coração, e “o amor é verdadeiramente o supremo dom, e quem o desconhecer, nunca encontrará Jesus[ii] .


O amor, dizia Pedro, “cobre a multidão de pecados” (4:8), e é nessa perspectiva que se afirma que o tesouro a se amealhar nessa peregrina caminhada encontrar-se-á abrigado em seu coração.


Paulo de Tarso, em Coríntios 13, fala da expressão genuína do amor na caridade, como um amor puro, que excede e supera quase todas as outras coisas. O apóstolo dos Gentios, em sua peroração evangélica, ao anunciar as virtudes teologais “a fé, a esperança e a caridade” destacam, “porém, a maior destas é a caridade”.


Indagando aos espíritos sobre o verdadeiro sentido da caridade, Allan Kardec recebe como resposta: “Benevolência para com todos, indulgência para as imperfeições dos outros, perdão das ofensas”. (Questão 886, Livro dos Espíritos) [iii].


É a caridade a filha verdadeira do amor, e por ela deve-se entender o gesto de amor para conosco, bem como nas atitudes gestadas da prática do bem em relação ao outro, pois que “a caridade para com nós mesmos é no sentido de preparamos pensamentos, ideias e sentimentos para melhor fazer o bem ao próximo”, de modo que se possa compreende que “à caridade, nascida no coração da criatura, é fruto do esforço próprio[iv].


E esse esforço é-nos indicados por Joanna de Ângelis como o do autoconhecimento, vivido na terapêutica do amor[v].


Assim nos recomenda o código dos espíritos:


Qual o meio prático mais eficaz que tem o homem de se melhorar nesta vida e de resistir à atração do mal?


“Um sábio da antiguidade vo-lo disse: Conhece-te a ti mesmo”.

(Questão 919, Livro dos Espíritos)[vi]


E como fazê-lo? Nos respondera Santo Agostinho, em complemento a pergunta anterior:


"Fazei o que eu fazia, quando vivi na Terra: ao fim do dia, interrogava a minha consciência, passava revista ao que fizera e perguntava a mim mesmo se não faltara a algum dever, se ninguém tivera motivo para de mim se queixar. Foi assim que cheguei a me conhecer e a ver o que em mim precisava de reforma. Aquele que, todas as noites, evocasse todas as ações que praticara durante o dia e inquirisse de si mesmo o bem ou o mal que houvera feito, rogando a Deus e ao seu anjo de guarda que o esclarecessem, grande força adquiriria para se aperfeiçoar, porque, crede-me, Deus o assistiria (...)



Examinai o que pudestes ter obrado contra Deus, depois contra o vosso próximo e, finalmente, contra vós mesmos. As respostas vos darão, ou o descanso para a vossa consciência, ou a indicação de um mal que precise ser curado.

O conhecimento de si mesmo é, portanto, a chave do progresso individual.” (...)


À luz dessa verdade, uma primeira dimensão desse exercício se faz premente: a do AUTO PERDÃO, que se constitui na remissão por ações práticas e reabilitadoras, que serão fontes de pensamentos íntimos enobrecedores.


Um complexo de práticas criadoras dessa nova atmosfera, que se nos vincula amorosamente com essa corrente de vibração benfazeja, e que se nos abre os portais dessa libertação, a que fala Joanna de Ângelis.


Assim comentam os espíritos ao nos lecionar que “poderemos utilmente pedir a Deus que perdoe as nossas faltas? “Deus sabe discernir o bem do mal; a prece não esconde as faltas. Aquele que a Deus pede perdão de suas faltas só o obtém mudando de proceder”.


E complementam: “As boas ações são a melhor prece, por isso que os atos valem mais que as palavras”. (Questão 661, Livro dos Espíritos)[vii]


A experiência reencarnatória nos permite esse gesto misericordioso para a depuração de nossas imperfeições, e vê no arrependimento o ato legítimo do “desejo de uma nova encarnação para se purificar. O Espírito compreende as imperfeições que o impedem de ser feliz e aspira a uma nova existência, onde possa expiar as suas faltas. (Questão 991,

Livro dos Espíritos)[viii].


Uma oportunidade de progresso, assentado no exercício individual, sincero e contínuo do autoconhecimento, como diretriz inafastável de nossos passos em direção à nossa consciência, o nosso “eu verdadeiro”, onde se abrigam as leis divinas (Questão 621, Livro dos Espíritos)[ix] , e dentre elas a Lei da Caridade.


De qualquer modo, o conhecimento das leis é insuficiente, posto que “vivenciar o Evangelho não é viver em comunidade, correndo, bebendo, dormindo, em sossego que a mordomia incentiva. Evangelho é trabalho, é sacrifício dos prazeres sem importância, é desprendimento, é encarar a consciência face a face…”[x]


De outro lado, esse pleito de perdão íntimo à Deus não se completa sem que estejamos nutridos do amor em plena atitude de bem-estar com nossos irmãos.


Sobre a postura aguardada, Humberto de Campo, em psicografia de Chico Xavier, nos diz para adotar o perdão e o silêncio, a utilizar a oração e a conservar a paz íntima como asilo inviolável, para que “saibamos amar e educar os semelhantes com a força de nossas convicções, conhecimentos, a fim de que o Reino de Deus se estenda no mundo”[xi]


Em outro sentido, é preciso fé para perdoar. E Jesus já anunciara a seus discípulos que jamais abandonem o amor, e sempre que a alguém se dirijam que o façam com amor, paciência e perdão[xii].


No mesmo tom de amor, são as palavras registradas pelo evangelista Lucas:


“Acautelai-vos. Se teu irmão pecar contra ti, repreende-o; se ele se arrepender, perdoa-lhe.


Se por sete vezes no dia pecar contra ti, e sete vezes vier ter contigo, dizendo: Estou arrependido, perdoa-lhe. Então disseram os apóstolos ao Senhor: Aumenta-nos a fé”.


(Lucas 17:3-5)[xiii]


Em outra passagem, Jesus nos mostra seu espírito compassivo e amoroso, despido de qualquer atitude julgadora, ao contemplar a violência contra a mulher adúltera, quando lhe pergunta: "Mulher, onde estão eles? Ninguém a condenou?"


"Ninguém, Senhor", disse ela. Declarou Jesus: "Eu também não a condeno. Agora vá e abandone sua vida de pecado". (João 8: 10-11).


Portanto, essa busca pela felicidade, inevitavelmente passa pelo exercício do perdão, como mecanismo de caridade, que é a expressão máxima do amor, virtude central do evangelho de Cristo.


O perdão livra-nos das chagas do orgulho e da vaidade, ao nos oferecer um horizonte reflexivo e emancipador.


No perdão vive-se o acolher da humilde postura de permanente aprendiz, fruto da consciência de nossa falível condição em relação aos saberes do mundo e dos propósitos de Deus.


O perdão é um cuidado com a auto-observação, que nos favorece o terapêutico exercício do autoconhecimento, em um processo metamorfoseador de nossa identidade espiritual.


Com o perdão incentiva-se-nos a promover a renúncia que nos desgasta as energias e nos desvia a atenção de nossos sentidos funcionais, mantendo-nos escravizados na conservação dos prazeres da carne e do império material.


Ao aplicar o cinzel do perdão na tarefa íntima de domínio de nossas próprias paixões, desanuviamo-nos das sombras perniciosas à claridade solar de nossas virtudes edificadas no amor e na luz.


O caminho da perfeição nos exige abandonar uma postura inflexível de onisciência e onipotência, com o estímulo à compaixão, que favorecer-nos-á a transformação de nós mesmos.


É a adoção de uma gramática da paz e do bem servir à Deus e ao próximo, nessa liturgia amorosa que se vê expressa em Isaías 6-8[xiv]:


Então ouvi a voz do Senhor, conclamando: "Quem enviarei? Quem irá por nós?"


E eu respondi: Eis-me aqui. Envia-me!


Ou quando Ananias, em sonho, recebe de Cristo o pedido para que fosse atender Paulo, ele que viajara a cidade de

Damasco com o objetivo de prendê-lo e executá-lo. Ao comando de Jesus, responde Ananias: “Eis-me aqui, Senhor” (Ato dos Apóstolos 9:10)[xv]


Assim como Paulo, indo nesse revelador caminho de Damasco, “subitamente o cercou um resplendor de luz do céu. E, caindo em terra, ouviu uma voz que lhe dizia: Saulo, Saulo, por que me persegues? E ele disse: Quem és, Senhor? E disse o Senhor: Eu sou Jesus, a quem tu persegues. Duro é para ti recalcitrar contra os aguilhões. E ele, tremendo e atônito, disse: Senhor, que queres que eu faça?” (Ato dos Apóstolos, 9:3-6)[xvi]


É no bem servir que se faz Jesus mais reluzente em nossas vidas, portanto, em qualquer dificuldade, perdoa, tenha paciência, haja misericordiosamente, ame e… sirva mais. E mais “lembra-te que não fomos chamados para socorrer as almas puras (...) Suplico-te para os filhos da minha esperança a esmola da compaixão”[xvii] .


Cada um de nós há de cumprir o seu próprio destino, que é só seu, sem escravizar-se nos modos das outras pessoas, pois que suas deliberações morais se ajustam somente a elas mesmas[xviii].


Somos os escultores de nossa jornada, e não vigilantes do comportamento alheio.


Cabe-nos o exercício dessa liberdade de escolha, entre acolher a beatitude de uma vida sintonizada em Cristo, ou continuar refém das dores e sofrimentos que permitiríamos cultivar como ervas daninhas em nosso jardim espiritual.


Para tanto,


Perdoa e serás compensado;


Perdoa, e serás atendido nos desejos sublimados;


Perdoa, e serás forte na batalha contra o mal;


Perdoa e serás iluminado pela graça e misericórdia do Senhor![xix]


Perdoar é renunciar às suas próprias vicissitudes. É reconhecer-se no erro alheio a própria falha, que se lhe exigirá cotidianamente o exercício da humildade. É viver o amor em sua mais pura plenitude.


É o perdão a mais alta forma de caridade que poderá ser vivida por todos aqueles que granjeiam a uma jornada de amor, que se lhe faculta o acesso ao Reino de Deus.


Referencias:

[i] (Francisco de Assis/Miramez; [psicografado por] João Nunes Maia, 36 ed. Belo Horizonte: MG: Fonte Viva, 2017, pg.276 [ii] Idem p. 270. [iii] fonte: https://kardecpedia.com/busca?q=886 [iv] Francisco de Assis/Miramez; [psicografado por] João Nunes Maia, 36 ed. Belo Horizonte: MG: Fonte Viva, 2017, pg.278. [v] Ângelis, Joanna de (Espírito). O Homem Integral / [psicografia de] Divaldo P. Franco, pelo espírito Joanna de Ângelis – Salvador (BA); Livr. Espírita Alvorada, 1990. [vi] https://kardecpedia.com/busca?q=919. [vii] https://kardecpedia.com/busca?q=661. [viii] https://kardecpedia.com/busca?q=991. [ix] https://kardecpedia.com/busca?q=621. [x] Miramez (Espírito). Francisco de Assis/Miramez; [psicografado por] João Nunes Maia, 36 ed. Belo Horizonte: MG: Fonte Viva, 2017, p.274. [xi] Campos, Humberto de. No Roteiro de Jesus / [compilação de textos de oitos obras do /espírito Humberto de Campos: psicografado por Francisco Cândido Xavier}, organizado por Gerson Simões Monteiro – 3ed. 2.imp. – Brasília: FEB, 2018, p.97. [xii] “Quando penetrares nalguma casa, saudai-a com amor. Se essa casa merecer as bênçãos de vossa dedicação, desça sobre ela a paz; se, porém, não for digna, torne essa mesma paz aos vossos corações. Se ninguém vos receber, nem desejar ouvir as vossas instruções, retirai-vos sacudindo o pó de vossos pés, isto é, sem conservardes nenhum rancor e sem vos contaminares da alheia iniquidade”. (Campos, Humberto de. Boa Nova /pelo espírito Humberto de Campos [psicografado por Francisco Cândido Xavier] – 37ed. 8.imp. – Brasília: FEB, 2017, p.37). [xiii] https://www.bibliaon.com/lucas_17/ [xiv] https://www.bibliaon.com/versiculo/isaias_6_8/ [xv] www.bibliaon.com/versiculo/atos_dos_apostolos_9_10/ [xvi] https://www.bibliaon.com/versiculo/atos_dos_apostolos_9_3-6/ [xvii] (Campos, Humberto de. No Roteiro de Jesus / [compilação de textos de oitos obras do /espírito Humberto de Campos: psicografado por Francisco Cândido Xavier}, organizado por Gerson Simões Monteiro – 3ed. 2.imp. – Brasília: FEB, 2018, p. 215). [xviii] Do livro: Renovando Atitudes (Francisco do Espírito Santo Neto, ditado pelo espírito Hammed) - Capítulo 52 – Autoperdão, p.p 120-122. [xix] Miramez (Espírito). Francisco de Assis/Miramez; [psicografado por] João Nunes Maia, 36 ed. Belo Horizonte: MG: Fonte Viva, 2017, p.285.

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