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Equilíbrio no Debate Virtual



Andresa Küster e Rodrigo Oliveira

Os avanços tecnológicos que vivenciamos nas últimas décadas democratizaram a participação dos indivíduos nas discussões sobre os mais diversos assuntos. O acesso oportunizado pelos smartphones permite que tenhamos atualizações, em tempo real, sobre os temas que pautam o interesse coletivo. Outra mudança digna de nota, na comparação com o que ocorria até a década de 1990, é que as redes sociais permitem que todos manifestem-se, e sejam ouvidos, quando opinam sobre temas de grande apelo. Assim, uma pluralidade enorme de opiniões divergentes passou a fazer parte do cotidiano de todas as pessoas. Dependendo da postura adotada pelos interlocutores, durante as discussões, pode-se apontar aspectos positivos dessa democratização das discussões.


Todavia, podemos perceber ocasiões em que o conflito se estabelece e os comportamentos no ambiente virtual tornam-se pouco produtivos. Ocorrem situações em que, no intuito de “ganhar a discussão”, as pessoas passam a ofender os participantes dos debates. Nesses casos, a oportunidade de aprendizado, que poderia ter sido valorizada através do diálogo, é contaminada pelos melindres resultantes da troca de palavras ríspidas. Nota-se cada vez maior flexibilidade quanto aos limites observados nas interações virtuais, na comparação com o trato pessoal estabelecido com aqueles que fazem parte das atividades cotidianas. Em outras palavras, alguém que não teria uma discussão agressiva, no trabalho, se envolve em discussões agressivas no ambiente virtual, em grupos de Whats app ou em redes sociais. Os usuários da web percebem com facilidade a repetição de embates, situação que provoca a necessidade de reflexão quanto à postura que deve ser adotada pelos Espíritas. As obras básicas da Doutrina Espírita, divulgadas por Allan Kardec, são claras ao destacar o papel a ser desempenhado pelos adeptos do Espiritismo no apoio à evolução da sociedade. Recorrendo às obras básicas, vemos que a distinção comportamental entre o ambiente físico e virtual não se justifica. No Capítulo XIV de “A Gênese”, ao tratar da natureza e das propriedades dos fluidos, o Codificador destaca que o pensamento e a vontade são meios empregados para que os Espíritos atuem sobre os fluidos espirituais:


“ Para os Espíritos, o pensamento e a vontade são o que é a mão para o homem. Pelo pensamento, eles imprimem àqueles fluidos tal ou qual direção, os aglomeram, combinam ou dispersam, organizando com eles conjuntos que apresentam uma aparência, uma forma, uma coloração determinadas; mudam-lhes as propriedades, como um químico muda a dos gases ou de outros corpos, combinando-os segundo certas leis. É a grande oficina ou laboratório da vida espiritual.(KARDEC, 2013a, p. 240)”


No Capítulo XI de “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, ao tratar da exortação para “amar ao próximo como a si mesmo”, o Espírito Sanson, ex-membro da Sociedade Espírita de Paris, sugere que, ao seguir essa máxima, poderemos abrir caminho para a conciliação durante as discussões:


“Hoje, quando o Movimento Espírita tem dado tão grandes passos, vede com que rapidez as ideias de justiça e renovação, contidas nos ditados dos Espíritos, são aceitas pela parte mediana do mundo inteligente. É que essas ideias correspondem a tudo o que há de divino em vós; é que estais preparados para uma sementeira fecunda: a do século passado, que implantou no seio da sociedade as grandes ideias de progresso. E, como tudo se encadeia sob a direção do Altíssimo, todas as lições recebidas e aceitas virão a encerrar-se na permuta universal de amor ao próximo. Graças a Ele, os Espíritos encarnados, melhor apreciando e sentindo, se estenderão as mãos, de todos os confins do vosso planeta. Reunir-se-ão para se entenderem e amarem, para destruírem todas as injustiças, todas as causas de malquerença entre os povos. (KARDEC, 2013b, p. 153)”


O comportamento combativo, seja nos diálogos interpessoais cotidianos, seja no ambiente virtual, não pode ser considerado exemplo de atitude afinada com as recomendações doutrinárias. Podemos concluir, da mesma forma, que a rispidez no trato com aquele que discorda de nosso ponto de vista é manifestação da grande chaga que aflige nossos dias terrenos: o egoísmo.


Como exemplo de abnegação e dedicação ao próximo, em oposição ao egoísmo e apego material, pode-se relembrar o trabalho desenvolvido por Paulo de Tarso, objeto de diversas obras que nos instruem quanto às dificuldades enfrentadas pelos primeiros cristãos. Cumpre destacar a dedicação do pregador para que a Boa Nova Cristã fosse difundida junto às comunidades do primeiro século. Ao fim de sua encarnação, impossibilitado de realizar as penosas viagens, Paulo passou a enviar cartas aos núcleos previamente organizados. Na Carta aos Gálatas, objeto de estudo de Cláudio Fajardo, na obra “O Evangelho de Paulo”, observamos uma recomendação direta sobre a postura a ser adotada no convívio em sociedade:


Irmãos, caso alguém seja apanhado em falta, vós, os espirituais, corrigi esse tal com espírito de mansidão, cuidando de ti mesmo, para que também tu não sejas tentado. Suportai o fardo um do outro; assim cumprireis a Lei de Cristo. Quem julga ser alguma coisa, quando nada é, engana a si mesmo. Cada um examine a própria conduta, e então terá o que de se gloriar por si só e não por referência ao outro. Porque cada qual carregará o seu próprio fardo. (FAJARDO, 2019, p. 201)


Na atualidade, diferente da situação vivida nos tempos de Cristianismo Primitivo, é possível contribuir para a difusão do Evangelho Cristão sem deixar o conforto de nossos lares. Em “Um Olhar Sobre o Tempo Presente”, Léon Denis faz um chamado para que sejamos colaboradores do processo de evolução universal:


Por menores que sejamos, ao trabalhar na obra geral para o bem de todos, provocaremos o desabrochar de nossas faculdades e de nossas percepções psíquicas, bem como uma dilatação e uma espiritualização do nosso ser, que nos prepararão para ascensões maiores e abrirão, para nós e nossos semelhantes, o acesso a mundos mais felizes e mais belos. (DENIS, 2018, p. 106-107)


O papel do pensamento nas relações entre encarnados e desencarnados, assim como nos relacionamentos interpessoais entre os encarnados, não deixa dúvidas quanto à necessidade de que o campo mental de cada um seja administrado com cuidado. Neste sentido, pode-se considerar igualmente sensível o impacto de nossas palavras sobre os pensamentos do próximo. Na obra “Se sabemos, por que não fazemos?” José Maria Souto Netto considera que a expressão “orai e vigiai” constitui um manual de relacionamento deixado por Jesus. Este manual divino recomenda que estejamos atentos a tudo que se passa, conosco e à nossa volta, no intuito de identificar e aproveitar oportunidades de aprendizado, de trabalho, de possíveis resgates, de evolução. Tais oportunidades são apresentadas pela Providência Divina na forma de situações, coisas ou pessoas:


Nossas reações a elas se manifestam através dos mais variados veículos - pensamentos, sentimentos, palavras, ações – cada qual gerando sua própria carga emocional repleta de energia vibratória, que respondem pela formação do campo fluídico que nos envolve e, por registros perispirituais que haverão de se refletir, mais cedo ou mais tarde, nesta ou em próximas encarnações, nos corpos físicos que utilizamos ou viermos a nos utilizar em experiências no plano material (SOUTO NETTO, 2018, p. 118).


As considerações de José Maria Souto Netto nos levam a refletir sobre quais alternativas se colocam, quando nossa manifestação é solicitada, ao nos depararmos com debates acerca de temas polêmicos. A interpretação quanto ao sentido da expressão “orai e vigiai” descarta a opção pela omissão. O posicionamento pode ser orientado pelas Instruções dos Espíritos, reproduzidas no Capítulo X de “O Evangelho Segundo o Espiritismo” no item 19. Neste item o Codificador indaga a São Luís quanto ao direito de repreender o próximo, já que ninguém é perfeito:


Certamente que não é essa a conclusão a tirar-se, pois cada um de vós deve trabalhar pelo progresso de todos e, sobretudo, daqueles cuja tutela vos foi confiada. Mas, por isso mesmo, deveis fazê-lo com moderação, para um fim útil, e não pelo prazer de denegrir, como se faz na maioria das vezes. Neste último caso, a repreensão é uma maldade; no primeiro, é um dever que a caridade manda cumprir com todo o cuidado possível. Mais ainda: a censura que alguém faça a outrem dever ser dirigida também a si próprio, procurando saber se não a terá merecido. (KARDEC, 2013b, p. 145).


Destaca-se nas palavras de São Luís o termo “moderação” com que orienta a atitude ao ser adotada no momento de promover uma crítica construtiva. A discordância com relação a opiniões disseminadas por outras pessoas em ambiente virtual é uma situação natural, dada a pluralidade de pensamento existente na atual sociedade. A reflexão aqui proposta é um convite para que possamos participar de debates e utilizar as potencialidades das ferramentas que oportunizam a comunicação virtual. Todavia, as obras consultadas sugerem que estejamos sempre avaliando as consequências de nossas manifestações. Muitas vezes a ofensa não advém tanto do conteúdo quanto da forma como nos expressamos. Há de se ter cuidado para que a autocrítica esteja presente e possamos avaliar a nossa tendência instintiva a agredir os interlocutores, quando nos sentimos protegidos pela impessoalidade oportunizada pelo ambiente virtual.


DENIS, Léon. Um Olhar Sobre o Tempo Presente, Tradução de Elena Gaidano, 1ª ed. 2018.


FAJARDO, Cláudio. O Evangelho de Paulo, 1ª ed. 2019.


KARDEC, Allan. A Gênese. Tradução de Evandro Noleto Bezerra,2ª ed. 2013a.


KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Tradução de Evandro Noleto Bezerra,2ª ed. 2013b.


SOUTO NETTO, José Maria. Se Sabemos Por Que Não Fazemos. 1ª ed. 2018.

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