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A História de Julia Fetal: Inspiração Para a Novela Espelho da Vida



Esta é uma história verídica. Aconteceu nos idos de 1847 na cidade do Salvador. É um momento na vida de João Estanislau da Silva Lisboa, no instante em que um amor desvairado invadiu o seu coração, obliterando todos os seus sentidos e transformando radicalmente a sua vida até então pacata, num redemoinho de uma paixão insana.

Tudo começou no dia 20 de abril de 1847…

João Estanislau era professor do então Liceu Regional em Salvador. Sua distinção e vasta cultura o distinguia dos demais colegas e a todos impunha um respeito pela sua postura irretocável. Nos seus dias de folga no Liceu, dava aulas particulares em residências de seus alunos, oportunidade em que conheceu uma moça de ascendência espanhola, dona de um temperamento alegre e jovial, de grande beleza e bastante jovem. Seu nome era Julia Fetal. Apaixonar-se por Julia foi inevitável para o professor. Como era costume naquele tempo, foi de muito gosto para a família de Julia o compromisso de aliança com João Estanislau, pois seguramente além de esposo o mesmo seria para ela a segurança de uma vida digna e honrada e de ótima posição social.

Seria, mas aí o destino resolve interferir. Talvez pela sisudez do professor, talvez pela diferença de idade, ou mesmo pelo “arranjo” do compromisso, tão comum então, Julia manteve o seu coração virgem de sentimentos. Certo dia ao conhecer um jovem de sua idade, encantou-se pelo mesmo e apaixonou-se loucamente. Na sua condição de jovem impetuosa, ainda com a cabeça navegando em sonhos, começou a viver secretamente o novo romance, para ela o primeiro, o início de sua viagem romântica tão natural para pessoas de sua idade. Como sempre acontece nesses casos, um dia o romance secreto chegou ao conhecimento do noivo ilustre.

A partir de então, começou a ruir o mundo do professor João Estanislau da Silva Lisboa, quando teve início o seu longo período de sofrimento. Sua vida transformou-se radicalmente, alternando momentos de uma sofrida lucidez com terríveis alucinações. Sua rotina escolar sofreu grandes transformações, ao ponto de causar aos seus próprios alunos a impressão que estavam lidando com dois homens diferentes.

Mesmo assim, com o pouco de racionalidade que lhe restava, ainda buscou um refúgio. Em virtude de residir em um casarão no topo da Ladeira da Montanha, próximo à praia da Preguiça, não raras vezes, alta madrugada ia até à mesma, e em suas águas atirava-se para em longas e cansativas braçadas tentar através o esforço, exorcizar as dores de seu grande martírio.

De nada adiantava. A traição o afetou profundamente e a maior parte do tempo ficava fora de si. Então, recolheu-se a um isolamento, ocasião em que começou a premeditar aquilo que viria a ser a catarse do seu sofrimento: o crime. A solução final.

No seu louco ciúme e também pela sua condição de ser um homem doravante marcado pelo sinal da traição, teve a certeza de que a sua amada não poderia jamais pertencer a outro homem. Caberia a ele resgatar a dignidade.

Sendo Julia uma pessoa única em sua vida, seu ídolo maior, sua paixão, sua razão de viver, teria de ter uma morte digna e compatível com a sua idolatria, alguma coisa superior e especial. João Estanislau da Silva Lisboa, armou-se de uma pistola. Mandou um artesão cunhar uma bala com a cápsula de ouro especialmente para a ocasião (segundo diz a tradição oral, teria mandado fazer com as alianças a bala de ouro). Certo domingo, no adro da Igreja da Graça onde sua amada costumava assistir à missa com seus pais, sorrateiramente aproximou-se dela. Julgado e condenado a 12 anos de prisão, passou a cumprir pena no Forte do Barbalho, onde como prêmio pelo seu excelente comportamento e erudição, recomeçou a lecionar para os detentos até o ano de 1861, época em que findava seu período de cárcere.

Nesse ano, Francisco Pereira de Almeida Brandão, fundador do Colégio São João no Corredor da Vitoria e que tinha o professor como seu mentor pedagógico, o convidou para assumir pessoalmente a direção do Colégio, fato que transformou a escola na melhor instituição de ensino da província. João Estanislau formou doutores, professores, industriais e militares e era amado pelos seus discípulos. Sempre à disposição de todos que o solicitavam, só abria exceção para o dia 20 de abril, ocasião em que se trajava de luto, e recolhia-se à sua cela num excêntrico ritual em homenagem à sua amada.

Convém ressaltar, que durante o cumprimento de sua pena no presídio, não quis aceitar um indulto concedido pelo Imperador, preferindo cumprir toda a pena.

Na ocasião, sua fama de excelente educador ultrapassou os muros do Forte, onde recebia visitas de mestres, colegas e discípulos. Alguns de seus alunos tinham aulas dentro dos muros da prisão, por autorização do Presidente da Província. O auge do reconhecimento ao professor se deu numa festa pomposa no Palácio da Vitoria, com a presença de sua majestade o Imperador.

Como testemunho do relato, o poema “O crime da bala de ouro”, gravado na lapide de Julia Fetal na Igreja da Graça, em Salvador, retrata poeticamente o amor passional de dois amantes que viveram na Bahia, uma terra cheia de encantos e mistérios.


Estavas bela Júlia descansada

Na flor da juventude e formosura,

Desfrutando das carícias e ternura

Da mão que por ti era idolatrada,

A dita de por todos ser amada

Gozavas sem prever tua alma pura

Que por mesquinho fado à sepultura

Brevemente serias transportada.

Eis que de fero algoz a destra forte

Dispara sobre ti, Júlia querida.

O fatal tiro que te deu a morte.

Dos olhos foi-te a luz amortecida

Do rosto te apagou a iníqua sorte

A branca e viva cor, com a doce vida.




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