Você sabe o que é perdoar? Conheça o verdadeiro significado.

Rafaela Paes de Campos
O exercício mais difícil a ser praticado pelo ser humano é perdoar. Trata-se de um ato de desprendimento que dificilmente alcançamos, pois, nosso íntimo ainda é dominado por orgulho e por egoísmo. Quando somos feridos, a cicatriz pulsa de forma incessante, não permitindo que nos desprendamos da dor causada, gerando um imenso ciclo de mágoa que, não raras vezes, dura uma vida inteira.
O que pouco pensamos é no paradoxo do mecanismo de não perdoar. A mágoa que nasce de uma atitude que nos causou dor é diuturnamente alimentada dentro de nós mesmos, repensamos o acontecimento, revivemos as sensações, nos irritamos, choramos. Observe, nós vivemos tudo isso, não aquele que nos causou o desconforto. Portanto, o ato de não perdoar é o mesmo que tomar de um veneno esperando que seus efeitos apareçam num terceiro, quando, na realidade, só fará mal a nós mesmos.
Não há uma fórmula mágica para que consigamos exercer o perdão. Trata-se de um movimento íntimo que, por isso mesmo, só pode ser feito por nós, sendo muito específico para cada um. Mas, é possível inferir que o pensamento do quanto a mágoa nos faz mal, é um primeiro passo importante. Talvez, num segundo momento, pensarmos que nós também erramos ao longo de vida e que também gostaríamos de ser perdoados.
Neste ponto, cabe algumas distinções. Somos Espíritos imperfeitos, vivendo na Terra em franca evolução e convivendo com as pessoas necessárias para que a Lei do Progresso se cumpra. Por aqui, nada é fácil.
Há dias ruins, em que erramos sem querer errar, seja por uma palavra mais ríspida, um pouco de má educação, uma irritação descontada em quem não merecia. Esse é mais fácil, são equívocos escusáveis que facilmente podem ser contornados com o reconhecimento do erro e um perdido de desculpas. São situações corriqueiras, nas quais todos incorremos ao longo da vida.
Mas, claro, há erros muito maiores. Há quem nos fira propositalmente, sabendo que sua atitude irá nos ferir. Há quem aja sem qualquer complacência com as nossas dores. Pessoas que colocam o dedo em nossa ferida e a apertam, justamente com a intenção – e o conhecimento – de que ela vai sangrar. Aqui nasce a grande complicação.
Por mais que falemos tanto em empatia, nós sabemos o quanto é difícil pratica-la. Nós não correspondemos às expectativas dos outros e o inverso também é verdadeiro, muitos não corresponderão à nossa. É aqui que o perdão é uma decisão.
Dentre esses erros, há aqueles que, com o tempo, seremos capazes de deixar para lá, voltar a conviver e deixar as máculas da relação no passado. Normalmente essa decisão advém de uma relação onde haja simpatia – que bem sabemos nascer no pretérito. Mesmo que demore um pouco, o perdão vem.
Entretanto, há cortes que se tornam tão profundos, que demandam um exercício ainda maior, e que nem sempre ocorre. Na vida podem ocorrer situações gravíssimas. Também podem acontecer erros dos outros conosco, onde tanto pedimos para que não ocorresse. Aos nossos olhos o perdão, nesses casos, beira a impossibilidade.
O homem que dividiu a história, nosso irmão mais velho, Jesus Cristo, com a sua inteligência emocional descomunal aos nossos olhos, disse-nos para amarmos os nossos inimigos. O que não compreendemos – como quase todos os outros ensinamento Dele, é a verdade por trás de suas palavras:
“Entretanto, há geralmente um equívoco no tocante ao sentido da palavra amar, neste passo. Não pretendeu Jesus, assim falando, que cada um de nós tenha para com seu inimigo a ternura que dispensa a um irmão ou amigo. A ternura pressupõe confiança; ora, ninguém pode depositar confiança numa pessoa, sabendo que esta lhe quer mal; ninguém pode ter para com ela expansões de amizade, sabendo-a capaz de abusar dessa atitude. Entre pessoas que desconfiam umas das outras, não pode haver essas manifestações de simpatia que existem entre as que comungam nas mesmas ideias. Enfim, ninguém pode sentir, em estar com um inimigo, prazer igual ao que sente na companhia de um amigo.
[...] Amar os inimigos não pode, pois, significar que não se deva estabelecer diferença algum entre eles e os amigos. Se este preceito parece de difícil prática, impossível mesmo, é apenas por entender-se falsamente que ele manda que se dê no coração, assim ao amigo, como ao inimigo, o mesmo lugar. Uma vez que a pobreza da linguagem humana obriga que nos sirvamos do mesmo termo para exprimir matizes diversos de um sentimento, à razão cabe estabelecer as diferenças, conforme os casos” (KARDEC, 2023, p. 150).
Jesus não nos pediria algo tão impossível, pequeninos que somos, o que era de Seu pleno conhecimento. Ouso dizer, inclusive, que para nós é mais fácil deixar passar o erro do “inimigo”, porque já esperávamos que ele nos ferisse! O problema mais profundo é quando a ferida é aberta por quem a vida nos ensinou a estimar, de quem esperávamos o cuidado com quem somos, o respeito por nossas dores mais latentes e perigosas. Assim, segue nos ensinando O Evangelho Segundo o Espiritismo:
“Amar os inimigos não é, portanto, ter-lhes uma afeição que não está na natureza, visto que o contato de um inimigo nos faz bater o coração de modo muito diverso do seu bater, ao contato de um amigo. Amar os inimigos é não lhes guardar ódio, nem rancor, nem desejos de vingança; é perdoar-lhe, sem nenhum pensamento oculto e sem condições, o mal que nos causem; é não opor nenhum obstáculo à reconciliação com eles; é desejar-lhes o bem, e não o mal; é experimentar júbilo, em vez de pesar, com o bem que lhes advenha; é socorrê-los, apresentando-se ocasião; é abster-se, quer por palavras, quer por atos, de tudo o que possa prejudicar; é, finalmente, retribuir-lhes sempre o mal com o bem, sem a intenção de os humilhar. Quem assim procede preenche as condições do mandamento: Amai os vossos inimigos” (KARDEC, 2023, p. 150).
Portanto, o verdadeiro significado de perdoar é tirar de dentro de si o efeito corrosivo da mágoa, não jogar “na cara”. Esquecer? No, não somos capazes! Precisa voltar a conviver? Se der, sim, caso contrário, deixe ir, em silêncio, sem alarde, sem dizer que “a vida ensina”.
Sabemos que todos colhemos o que plantamos, que as consequências das atitudes de toda e qualquer pessoa ressoará em algum momento, mas isso é com Deus. A gente deixa ir quem não pode ou não quis ficar, e vive a nossa própria vida!
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Referência:
KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismoi, tradução de Guillon Ribeiro. Campos dos Goytacazes/RJ: Editora Letra Espírita. 2023.
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