A visão espírita sobre o desenvolvimento pessoal e autoajuda
- editoraletraespiri
- 26 de mar.
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Gepherson Espínola
Ao inquirir à plêiade de Espíritos Luminíferos responsáveis pela Codificação sobre “qual o meio prático mais eficaz de se melhorar nesta vida e resistir à atração do mal”, Kardec recebe como resposta: “Um sábio da antiguidade vo-lo disse: Conhece-te a ti mesmo” (O Livro dos Espíritos, questão 919). Deriva-se daí, da simplicidade e profundidade desta resposta, portanto, todo o relevo e a importância que a Doutrina Espírita concede ao processo de autoconhecimento, enquanto meio de consciência de si, burilamento do ser, desenvolvimento pessoal e transformação moral, nos mesmos moldes em que Jesus ensinara e ensina quando convida indistintamente à todas as criaturas ao renascimento interior, que perpassa pelo aprimoramento do ser.
Nos fundamentos da Doutrina dos Espíritos se assentam e estimulam posturas de autoexame, de autorresponsabilização e de autoconsciência, na perspectiva do saber-se, do perceber-se e do sentir-se, numa verdadeira ode ao alinhamento, mais do que necessário, entre sentimentos, pensamentos, palavras e ações. Propõem os Benfeitores Espirituais, através de diferentes médiuns, que a criatura aprenda a se conhecer de tal modo que consiga trabalhar intimamente com a finalidade de superar os atavismos malsãos, reconhecer as sombras, os vícios e os padrões negativos que alimenta, para que possa educá-los, transmutá-los e superá-los. Do mesmo modo que aconselham o reconhecimento, o cultivo, a potencialização e a amplificação das virtudes. Nos meandros da cristianização do ser não há conflito entre as sugestões ofertadas: esmaecer as sombras é também destacar as luzes íntimas. O alvitre é de um trabalho síncrono, concomitante.
Longe de estabelecerem fórmulas e/ou mecanismos pré-definidos para as questões que atazanam e afligem o ser, como apregoam alguns manuais de autoajuda, os Espíritos de Luz, repetindo os ensinamentos Crísticos, com amorosidade e de diferentes formas, insistentemente convidam para uma imersão íntima, seguida de uma reorganização moral, espiritual e prática. Sem que haja um estímulo à terceirização de responsabilidades, nem para outrem, nem para os Espíritos, tampouco para o Divino – posto que a sugestão é sempre olhar para si primeiro, com a finalidade de aparar as arestas, reparar sintonias, trocar hábitos, mudar afinidades e evoluir –, os aconselhamentos repousam inicialmente no silenciamento que a introspecção traz para que se apure o mundo interior, seguido da mudança de atitudes e padrões nocivos ao bem-estar e equilíbrio próprios, respeitados o ritmo e as possibilidades de cada criatura. Ainda na questão 919 a, de O Livro dos Espíritos, o Benfeitor Santo Agostinho propõe a elaboração de questionamentos conscienciais sobre as próprias posturas diárias como meio de autopercepção, corrigenda e evolução. Já o Benfeitor Espiritual André Luiz, pela mediunidade de Chico Xavier, adverte que:
Não acuse os Espíritos desencarnados sofredores, pelos seus fracassos na luta. Repare o ritmo da própria vida, examine a receita e a despesa, suas ações e reações, seus modos e atitudes, seus compromissos e determinações, e reconhecerá que você tem a situação que procura e colhe exatamente o que semeia (Xavier, 1991, p. 66).
Estagiando num orbe escola em que todas as situações concorrem para o aprendizado e amadurecimento espiritual, entre provas, expiações, reconciliações e lições amorosas, segue o Espírito matriculado na Terra a se deparar consigo mesmo, diante de todas as situações individuais e coletivas que a vida lhe apresenta. Superadas as buscas exteriores, reconhecida a autorresponsabilidade e silenciados os apelos materiais, com o processo de espiritualização do ser, de autoconhecimento e despertamento da autoconsciência, são melhores percebidas as oportunidades de autolapidação e autodesenvolvimento, uma vez que as próprias tendências são prescrutadas, acolhidas e trabalhadas, ao mesmo tempo em que se percebem e dilatam também as belezas que moram dentro. Afinal, recomendou o Mestre Jesus que brilhe a vossa luz, lembrando a toda a Humanidade da sua herança lucigênita, dada a filiação de todas as criaturas à Luz Maior.
O desenvolvimento pessoal, em termos espíritas, se confunde com o desenvolvimento espiritual, com a conquista de si mesmo, com a expansão da consciência, com o desenvolvimento do autoamor que também é medida de amor ao próximo, como já fora ensinado. É uma perspectiva continua de melhoramento que não guarda nenhuma ligação com o egoísmo, com aquisições materiais, com o isolamento, com a segregação ou com a vida monástica, muito pelo contrário. A ideia é que o desenvolvimento se dê na vida de relação, nas interações sociais e nas trocas interpessoais. A concepção é que a criatura aprenda sobre si e sobre os outros experenciando, vivendo de verdade, aprendendo nas trocas diárias a ceder, a permanecer e/ou a prosseguir, respeitando quem é, o que sente e o que pensa (mas às outras pessoas também), numa cadência amorosa, como a recomendada em O Evangelho Segundo o Espiritismo com o nome de caridade moral (Kardec, 2023). Desenvolver-se é evoluir, é pavimentar o próprio caminho para trilhar em direção à Luz, à harmonização consigo e com o mundo, é dulcificar-se, compreender, amar, auxiliar, perdoar, ter empatia, melhorar-se em distintos aspectos, enquanto Espírito em constante aprendizado, reconhecendo em tudo as chances de crescer.
Em linha de raciocínio semelhante, o Benfeitor Espiritual Albino Teixeira, (Xavier; Bacelli, 1984, p. 13) relaciona o processo de autoconhecimento, e de desenvolvimento pessoal, portanto, ao trabalho em auxílio ao próximo e às autodescobertas provenientes deste: “Se desejas conhecer-te, não feche os olhos para o mundo, trancando-te em tuas emoções, na ação do trabalho que estende socorro a todos, ver-te-ás como és”. Já o Benfeitor Espiritual Emmanuel (Xavier, 1995, p. 52) reflexiona que as práticas e as vivências propulsoras do desenvolvimento pessoal precisam ser, de fato, exercitadas e não apenas teorizadas, caso se deseje sinceramente alguma evolução, elucidando que “nós todos, coletivamente examinados, criamos muitas dificuldades na Terra, pela ânsia de fazer sem saber, mas agravamos consideravelmente, essas mesmas dificuldades, pelo atraso de saber e não fazer”.
Ademais, é pertinente ressaltar que O Livro dos Espíritos, no capítulo XVIII, apresenta a Lei do Progresso como uma entre as Leis Morais e Espirituais que regem toda a criação, afirma que ela se consolida de maneira lenta e regular, mas é passível de aceleração quando se registram abalos morais ou físicos. Em se tratando dos Espíritos encarnados, os Benfeitores Espirituais são incisivos ao assegurarem que os maiores obstáculos para o desenvolvimento pessoal (progresso) consistem no egoísmo e no orgulho. Endossam que há um impulso nato para o autodesenvolvimento, no entanto ponderam a respeito da individualidade e do exercício inviolável do livre-arbítrio. Asseveram, inclusive, que nem sempre o progresso intelectual é acompanhado pelo moral, sendo o primeiro geralmente adquirido antes, o que confere maiores responsabilidades nas ações (o raciocínio supracitado de Emmanuel sobre a diferença entre saber e fazer ilustra esse argumento), até que eles se alinhem.
O desenvolvimento, numa concepção integral do ser, oportuniza o reconhecimento das potencialidades e a misericórdia para com as fraquezas próprias e alheias, aprimora os sentidos para a percepção do entorno, dilata a indulgência, a benevolência e o perdão, coadunando com os ensinamentos Crísticos. Na seara espírita são diversos os materiais recebidos mediunicamente que incentivam nesse desiderato de desenvolvimento espiritual e pessoal, com vistas também ao progresso coletivo da Humanidade. Não há, nas páginas que chegam da Espiritualidade Maior, nenhuma pretensão de substituição das individualidades, nenhum incentivo a “manuais de condutas”, nenhum arcabouço magístico que condicione a lógica do “se... então...”. Os convites e conselhos advindos de lá estimulam a criatura a resolver os seus próprios problemas, com base nas orientações evangélicas cristãs, na reacomodação das questões íntimas que são propulsoras dos desajustes e no exercício da caridade moral consigo e com outrem.
Indenes das transferências de responsabilidades e da aquisição instantânea de soluções, fluem das obras basilares da Doutrina Espírita recomendações como a constante em O Evangelho Segundo o Espiritismo: Ajuda-te a ti mesmo, que o céu te ajudará (Capítulo XXV, itens 1 a 5). Kardec (2022, 2023) ressalta a imprescindibilidade do esforço, da vontade, do trabalho e da mudança de padrões conscienciais para que o auxílio espiritual possa se aproximar e ser efetivo, respeitando assim as leis de afinidade e sintonia, o mérito, as causas, os efeitos e as individualidades. Não há violação de consciências, tampouco substituição dos deveres. A Doutrina Espírita auxilia elucidando, consolando e instruindo, mas a tarefa do autodesenvolvimento cabe à própria criatura, a ninguém mais. A ajuda que ela oferece é no sentido de proporcionar e estimular a todo momento o progresso espiritual, fornecendo instrumentos e ferramentas evangélicos. Não guarda, pois, nenhuma relação com os manuais de autoajuda que prodigalizam sucesso material, superação rápida de situações ruins, espiritualização instantânea, racionalização e/ou manipulação de afetos ou soluções rasas para os problemas mais complexos existenciais e sociais que tocam a Humanidade.
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Referências:
KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. 1ª edição Campos dos Goytacazes/RJ: Editora Letra Espírita, 2023.
KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Campos dos Goytacazes/RJ: Editora Letra Espírita, 2022.
XAVIER, Francisco Cândido. Agenda Cristã. Pelo Espírito André Luiz. 21ª ed. Rio de Janeiro: FEB, 1981.
XAVIER, Francisco Cândido. Caminho Espírita. Por Espíritos Diversos. 8ª ed. Araras: IDE, 1995.
XAVIER, Francisco Cândido; BACELLI, Carlos A. Fé. Por Espíritos Diversos. 1ª ed. São Paulo: Instituto de Divulgação Ed. André Luiz, 1984.
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