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Céu e Inferno


Por: Juliana Procópio


“Por mim mesmo juro – disse o Senhor Deus – que não quero a morte do ímpio, senão que ele se converta, que deixe o mau caminho e que viva.” (EZEQUIEL, 33:11.)


Desde os primórdios da humanidade o ser humano busca explicações para as coisas da natureza e para tudo aquilo que não possui respostas. A curiosidade sobre a vida após a morte também fez surtir nos diferentes agrupamentos humanos formas diversas de explicar para onde iriamos após a morte.


Para os vikings, por exemplo, acreditavam que Odin acolhia nos seus domínios os guerreiros que morressem heroicamente no campo de batalha. Todas as noites se banqueteavam com as articulações de um javali cuja carne nunca acabava, e bebiam copiosamente hidromel (uma bebida alcoólica cuja maior parcela dos seus açúcares fermentáveis são proveniente do mel). Para os mexicanos, “a morte significa festa, e essa constatação é tão antiga quanto seus sítios arqueológicos, sua alegria e sua exuberância natural. Há registros de que, há pelo menos três mil anos, as civilizações pré-hispânicas celebravam a passagem para o mundo espiritual de forma divertida e inusitada aos olhos dos estrangeiros”. Já para algumas vertentes cristãs a morte servirá de castigo eterno aos ímpios e a espera pela ressureição no dia do juízo final para aqueles que seguirem determinados dogmas.


No livro “O Céu e o Inferno”, a quarta obra básica da codificação de Kardec vem nos trazer um exame comparado das diferentes doutrinas sobre a passagem da vida corporal para a vida em espirito. Narra as diferenças entre as penalidades e recompensas para o futuro, sobre os anjos e os demônios.


“Kardec lançou este livro em 1865. Através da evocação dos Espíritos de pessoas das mais diferentes classes sociais, crenças e condutas, demonstra-nos como foi a chegada e a vivência espiritual destes seres após o seu desencarne. Rainhas, camponeses, religiosos, assassinos, ignorantes e intelectuais são alguns dos que contam o que os aguardava depois de suas atitudes terrenas e como poderão ser suas vidas futuras”.


Nessa obra os espíritos trazem até Kardec explicações acerca dos dois temas que geram duvidas e medos nas sociedades atuais e que em muitos casos foram e são usadas até hoje como forma de controle através do medo por muitas doutrinas.

No capítulo sobre o que é o céu o codificador fez o seguinte registro:


“Diz-se a palavra céu, em geral, quando nos referimos ao Espaço indefinido que rodeia a Terra, e mais particularmente à parte que está acima do nosso horizonte; ela vem do latim caelum, formado do grego coïlos, oco, côncavo, porque o céu parece, aos nossos olhos, uma imensa concavidade. Os antigos acreditavam na existência de vários céus superpostos, compostos de matéria sólida e transparente, formando esferas concêntricas das quais a Terra era o centro. Essas esferas, girando em torno da Terra, arrastavam consigo os astros que se achavam em seu circuito.


Essa ideia, que resultava da insuficiência dos conhecimentos astronômicos, foi a de todas as teogonias que fizeram dos céus, assim escalonados, os diversos graus de beatitude; o último era a morada da felicidade suprema. Segundo a opinião mais comum havia sete céus, daí a expressão estar no sétimo céu, para exprimir a felicidade perfeita. Os muçulmanos admitem nove, em cada um dos quais a felicidade dos crentes é aumentada. O astrônomo Ptolomeu contava onze, dos quais o último era chamado Empíreo por causa da brilhante luz que nele reina.


Ainda hoje é o nome poético dado ao lugar da glória eterna. A teologia cristã reconhece três céus: o primeiro é o da região do ar e das nuvens; o segundo é o espaço onde se movem os astros; o terceiro, além da região dos astros, é a morada do Mais Alto, a habitação dos eleitos que contemplam Deus face a face. É de acordo com essa crença que se diz que São Paulo foi elevado ao terceiro céu.


As diversas doutrinas que se referem à morada dos bem-aventurados estão todas estabelecidas sobre o duplo erro de que a Terra é o centro do Universo, e de que a região dos astros é limitada. É para além desse limite imaginário que todas colocaram essa região afortunada e a morada do Todo-Poderoso. Singular anormalidade que situa o autor de todas as coisas, aquele que as governa todas, nos confins da criação, em lugar de colocá-lo no centro de onde a irradiação do seu pensamento podia se estender a tudo”!


Em João 14:2-4, Jesus nos diz que:


“Na casa de meu Pai há muitas moradas; se não fosse assim, eu vo-lo teria dito. Vou preparar-vos lugar. E quando eu for, e vos preparar lugar, virei outra vez, e vos levarei para mim mesmo, para que onde eu estiver estejais vós também. Mesmo vós sabeis para onde vou, e conheceis o caminho”.


Portanto segundo o próprio Cristo nós sabemos onde se encontram essas moradas e o caminho para chegar até elas. Assim o universo é infinito e não haveria razão para apenas a Terra ser habitada pela criação de Deus.

No capítulo sobre o inferno os espíritos nos narram que o inferno cristão imita o inferno pagão:


“O inferno dos pagãos, descrito e dramatizado pelos poetas, foi o mais grandioso modelo do gênero; ele se perpetuou no inferno dos cristãos que, ele também, teve seus cantores poéticos. Comparando-os, neles se encontra, salvo os nomes e algumas diferenças nos detalhes, numerosas analogias: tanto em um como no outro, o fogo material é à base dos tormentos, porque é o símbolo dos mais cruéis sofrimentos. Mas, coisa estranha! Os cristãos têm, sobre muitos pontos, ido ainda mais longe que os pagãos. Se estes últimos tinham no seu inferno o tonel das Danaides, a roda de Ixion, o rochedo de Sísifo, esses eram suplícios individuais; já o inferno cristão tem, para todos, as suas caldeiras ferventes das quais os anjos levantam as tampas para ver as contorções dos condenados; Deus ouve, sem piedade, os seus gemidos durante a eternidade. Jamais os pagãos descreveram os habitantes dos Campos Elísios repassando seu olhar nos suplícios do Tártaro.


Como os pagãos, os cristãos têm o seu rei dos infernos, que é Satã, com a diferença de que Plutão se limitava a governar o sombrio império que lhe coubera em partilha, mas ele não era mau; Plutão retinha em seu império aqueles que haviam praticado o mal porque essa era a sua missão, mas não procurava induzir os homens ao mal para se dar o prazer de fazê-los sofrer; enquanto que Satã recruta vítimas por toda a parte, vítimas que ele gosta de fazer atormentar por suas legiões de demônios armados de forcados para sacudi-los no fogo. Tem-se mesmo discutido seriamente sobre a natureza desse fogo que queima sem cessaros condenados sem jamais consumi-los; tem-se perguntado se seria um fogo de betume ou de resina de pinheiro incendiada, mas tendeu-se para o betume. O inferno cristão, portanto, não fica devendo nada ao inferno pagão.


As mesmas considerações que, entre os antigos, fizeram localizar a morada da felicidade, haviam também circunscrito o lugar dos suplícios. Os homens tinham colocado a primeira nas regiões superiores, era natural que colocassem o segundo nos lugares inferiores, isto é, no centro da Terra, ao qual se acreditava que certas cavidades sombrias e de aspecto terrível serviam de entrada. Foi ali também que os cristãos por muito tempo colocaram a morada dos condenados. A esse respeito, observemos ainda uma outra analogia.


O inferno dos pagãos possuía de um lado os Campos Elíseos e do outro o Tártaro; o Olimpo, morada dos deuses e dos homens divinizados, estava localizado nas regiões superiores. Segundo “a letra” do Evangelho, Jesus desceu aos infernos, quer dizer, aos “lugares baixos”, para dali tirar as almas dos justos que esperavam sua vinda. Os infernos não eram, portanto, um lugar unicamente de suplício; da mesma forma que entre os pagãos, eles estavam também nos “lugares baixos”. Assim como o Olimpo, a morada dos anjos e dos santos estava nos lugares elevados; ela havia sido colocada do outro lado do céu das estrelas, que se acreditava limitado”.


Assim o inferno seria a morada dos ímpios, dos que não obedeceram às “leis” de deus e que queimariam no fogo eterno. Segundo esse pensamento onde estaria a justiça de Deus para os seus filhos criados a sua imagem e semelhança?

O Evangelho não faz nenhuma menção do purgatório, que só foi admitido pela Igreja no ano de 563. Trata-se inevitavelmente de um dogma mais racional e mais conforme à justiça de Deus que o inferno, pois estabelece penas menos rigorosas e mais aceitáveis para as faltas de mediana gravidade.


A ideia do purgatório funda-se, portanto, no princípio da equidade, pois comparado com a justiça humana equivale à detenção temporária em relação com a pena de condenação. O que se pensaria de um país que só tivesse a pena de morte para todos os crimes, até os mais simples delitos? Sem o purgatório só há para as almas as duas alternativas extremas: a felicidade absoluta ou o suplício eterno. Nesse caso, o que seria das almas culpadas somente de faltas leves? Ou elas partilhariam a felicidade dos eleitos sem serem perfeitas, ou sofreriam o castigo dos maiores criminosos sem os terem igualado no mal, o que não seria justo nem racional”.


Segundo os estudos espiritas e as diversas codificações realizadas pelos médiuns a cerca desse assunto o purgatório seria o que mais se aproxima da ideia de um Deus justo, pois não há como acreditar que as pessoas nascem com determinadas situações, doenças, miséria, transtornos, deficiências ou comportamentos que levam outras pessoas a morte ou escravidão e a morte será o castigo e isso seria o fim. Seria Deus um Pai que tem seus filhos preferidos? Lógico que não! Segundo Jesus:


“Porque o Filho do homem virá na glória de seu Pai, com os seus anjos; e, então, dará a cada um segundo as suas obras” (Mateus 16:27) E ao dizer “… segundo as suas obras”.


Fica evidente nessa máxima de Cristo que existe uma lei aplicável a todos nós, que é a Lei do Merecimento. É o princípio bíblico de que “tudo o que o homem semear, isso também ceifará” (Gálatas 6-7). Portanto cada um de nós é o único responsável por nossas escolhas. São elas que nos levaram a diferentes caminhos e destes as diferentes consequências. Deus assim é todo amor e dá a seus filhos a oportunidade eterna de buscar a reparação de seus equívocos e a busca por sua evolução na busca da perfeição.


Assim meus irmãos, procuremos nós nos cercar das obras básicas e delas nos apropriarmos para a nossa instrução individual e que desses estudos possam surgir nosso aprimoramento e a busca constante pela nossa reforma intima. Que possamos fazer boas escolhas e no dia de nossa partida retornar felizes pelos degraus evolutivos que conquistamos.

Sejamos luz. Paz e bem!


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Referências:

DAVIDSON, Hilda. O culto de Odin. Escandinávia. Lisboa, Editorial Verbo, 1987, p. 31-49.

O Céu e o Inferno, ou, A Justiça Divina Segundo o Espiritismo — Allan Kardec; edição inteiramente revista segundo o original francês — por João Teixeira de Paula e J. Herculano Pires, introdução de J. Herculano Pires — 10a edição — São Paulo, LAKE — 2002.


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