O Espiritismo é a Favor dos Métodos Contraceptivos?
Keity Jeruska Alves dos Santos
É sabido pelas informações encontradas nas obras básicas e pelas mensagens de Espíritos comprometidos e envolvidos, que estamos, enquanto planeta, rumo a uma transformação para um mundo melhor onde imperem o amor e a caridade. Muitos Espíritos estão reencarnando, como última oportunidade de redenção, e muitos outros ainda, para auxiliar a Terra neste processo. E neste contexto traz à tona questões éticas e dúvidas tal qual o título deste artigo ilustra.
Faz-se necessário então buscar entendimento nas obras básicas e alinhavar essas informações ao nosso raciocínio e percepção das condições atuais do planeta.
A Doutrina Espírita não condena o uso de métodos contraceptivos; apenas orienta que busquemos agir de acordo com ideais nobres, ligados à nossa compreensão do que seja o planejamento reencarnatório, a voz da nossa consciência e o uso racional e amoroso do livre-arbítrio. É preciso usar o raciocínio ao considerar e deliberar sobre as leis naturais.
É fato que os filhos estão ligados às nossas oportunidades de evolução, e sua vinda são propostas, sugeridas, pedidas e/ou negociadas durante a construção do planejamento reencarnatório. Daí entra em cena o nosso livre-arbítrio. E a partir daí se ilustra nossa reflexão sobre o tema, uma vez que nas obras básicas do Espiritismo não encontramos referências diretas ao uso de contraceptivos.
Temos em O Livro dos Espíritos, questão 693, que tudo que entrava a marcha da natureza é contrário á lei geral; contudo, Kardec aprofunda a questão: “Entretanto, há espécie de seres vivos, animais e plantas, cuja reprodução indefinida seria nociva a outras espécies e o próprio homem seria logo; a vítima. Comete ele um ato repreensível detendo essa reprodução? -Deus deu ao homem, sobre todos os seres vivos, um poder que deve usar para o bem, mas não abusar. Ele poder regrar a reprodução segundo as necessidades, mas não deve entravá-la sem necessidade. A ação inteligente do homem é um contrapeso estabelecido por Deus para restabelecer o equilíbrio das forças da natureza, e é isso ainda, que o distingue dos animais porque o faz com conhecimento de causa.” (KARDEC, 2022, p. 261)
Isto posto, fica claro que o livre arbítrio, enriquecido pela chamada ação inteligente do homem, é instrumento lícito a ser usado no planejamento familiar terreno, mesmo que exista um projeto reencarnatório pré-estabelecido no Plano Espiritual, do qual, quando temos condições, participamos ativamente.
Quando reencarnamos, nem sempre as condições, apesar de nossos esforços rumos à evolução, são adequadas para que todo o estabelecido pela Espiritualidade possa acontecer de forma bem-sucedida e sem tropeços. Por isso é tão importante o conhecimento das leis de Deus e da necessidade de reforma íntima e da luta pela evolução da humanidade. Esse conhecimento, a razão e o amor serão sempre os faróis a guiar o barco de nossas vidas. Com tantos Espíritos necessitando viver a experiência da carne, constitui ato de amor e até altruísmo colaborarmos para trazê-los ao mundo e assumir responsabilidades por eles.
Contudo, ter filhos sob o argumento de que seria contrário às Leis de Deus evita-los, já o vimos, trata-se de um pensamento simplista e por vezes até contraditório pois Deus é amor e nada nos impõe. Seria honesto, lícito, recomendado trazer um Espírito ao mundo sem ter condições de oferecer o mínimo necessário ao seu desenvolvimento físico, cognitivo, moral e afetivo? Sim, porque muitas vezes isso acontece. Estamos aqui falando de condições que degradam o ser-humano encarnado; não nos referimos à pobreza, mas à miséria, que fere a dignidade do mesmo. Como evoluir, criar, progredir, quando falta o básico do básico em todos os sentidos? Claro, a pobreza é também uma provação à qual os Espíritos envolvidos, num enredo comum, podem ter escolhido passar, ou ter sido destinados de forma compulsória, mas estamos refletindo sobre casos extremos. Estes também precisam ser vistos e compreendidos.
É fundamental que o controle de natalidade seja pensado por cada família com consciência, uma vez que nela estão inscritas as leis de Deus. Se o objetivo da família é que seu planejamento se ajuste às suas condições financeiras, por que estaria errado? Por outro lado, se o objetivo do controle da natalidade pelo suposto futuro pai e futura mãe for vivenciar a libertinagem e a sensualidade sem compromissos, aí é importante pontuar que cedo ou tarde o sentimento de culpa, consciente ou inconsciente, dividirá espaço com o estilo de vida escolhido, podendo gerar, inclusive, processos obsessivos. Uma mãe portadora de patologia grave, deverá ser julgada por preservar sua saúde e evitar uma gravidez que poderia interromper seu planejamento e evolução terrena? É imperativo, em todos os casos, evitar julgamentos e analisar a intenção. Apenas a reflexão sincera sobre os motivos de se evitar filhos poderá responder se houve ou não transgressão às leis divinas.
Cabe salientar que o sexo é fonte de energia salutar que alimenta as almas que se unem por laços de amor e respeito mútuos. Dessa maneira, ao lado da função procriadora, o sexo é abençoado pelo alto. Assim, a prática sexual precisa acontecer com responsabilidade e consciência de seus limites e possibilidades. O espírito André Luiz alerta em sua obra Sexo e Destino (2010) que quanto mais se eleva a criatura, mais se capacita de que o uso do sexo demanda discernimento pelas responsabilidades que acarreta.
Importante, que ao definir o método contraceptivo a ser usado, que se pondere também se a decisão de não gerar filhos é permanente ou transitória, e quais as implicações do mesmo. No caso de uma prorrogação definitiva de uma reencarnação pré-agendada no planejamento reencarnatório do pai ou da mãe, poderão certamente existir implicações do ponto de vista espiritual, contudo a voz da consciência guiando o livre arbítrio com base nas leis de Deus deve imperar.
Dada a importância do tema, cumpre ainda finalizar alertando que o planejamento familiar responsável e o uso de métodos contraceptivos de forma consciente corroboram para impedir a realização de aborto, ação que lesa o Espírito, ligado ao embrião desde o início da concepção, em sua oportunidade de ter um corpo físico que lhe serviria de instrumento para seu progresso e evolução. Sempre importante ler, estudar e compreender a Doutrina nesse quesito a partir da questão 880 de O Livro dos Espíritos: Qual o primeiro de todos os direitos naturais do homem? O de viver. Por isso é que ninguém tem o direito de atentar contra a vida de seu semelhante, nem de fazer o que quer que possa comprometer-lhe a existência corporal (KARDEC, 2022, p. 316).
Vivamos com amor, consciência, serenidade, compaixão e tenhamos ciência da importância e nobreza que existe no âmago da tarefa/missão de trazer um filho ao mundo e honrá-lo. Mas entendamos também que devemos respeitar o livre arbítrio que nos foi dado por Deus Pai para que dele façamos bom uso, evoluindo e auxiliando a evoluir, sejam nossos filhos de biológicos, filhos do coração, irmãos em Jesus.
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Referências:
KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. Tradução de Salvador Gentile. 111 edição. Araras/SP, 1989.
KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos, tradução de Guillon Ribeiro. Editora Letra Espírita. Campos dos Goytacazes/RJ. 2022.
XAVIER, Francisco Candido. ANDRÉ LUIZ, espírito. Sexo e destino: a vida no mundo espiritual. São Paulo: FEB, 2010.
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