O MAU USO DA MEDIUNIDADE E SUAS POSSÍVEIS CONSEQUÊNCIAS
Isabel Miranda
A maioria das pessoas já deve ter visto, preso em um poste ou num muro, o famoso cartaz que promete: “Trago a pessoa amada em 3 dias”. Quem prega esse tipo de anúncio, em geral, cobra uma quantia exorbitante em troca de um ritual que, supostamente, fará com que a pessoa amada – independente de seus sentimentos, do seu estado civil, etc. – jogue-se nos braços do pagante.
Resta saber se o dinheiro é devolvido quando o amado se atrasa e só aparece no 4º ou no 5º dia, em vez de fazê-lo dentro dos 3 dias garantidos.
Brincadeiras à parte, cumpre destacar que qualquer trabalho espiritual que vise a interferir no livre arbítrio de alguém é maléfico. Não importa se é feito “em nome do amor”. Até porque o verdadeiro amor não força nem aprisiona, mas sim respeita a liberdade e a individualidade da pessoa amada.
Nessa linha, são exemplos de trabalhos trevosos os que buscam afastar a amante do marido,[1] reacender a paixão com a própria esposa[2] ou “curar” a homossexualidade do filho. Com relação ao último exemplo, nunca é demais lembrar que, na visão espírita, como ensina Emmanuel, a homossexualidade é “perfeitamente compreensível à luz da reencarnação”, e os homossexuais merecem atenção e respeito “em pé de igualdade ao respeito e à atenção devidos às criaturas heterossexuais”.[3]
Além dessas situações pretensamente bem-intencionadas, também há os que procuram assistência espiritual para, propositadamente, prejudicar outras pessoas. É o caso daquele que deseja se vingar do ex-chefe que o demitiu, do ex-cônjuge que o traiu, do ex-sócio que o enganou, do vizinho que o aborreceu, enfim, há tantos exemplos quanto a imaginação permitir.
Se os primeiros defendem a prática com a falaciosa “boa intenção”, os últimos se alicerçam no sentimento de “justiça”. Esquecem, porém, que nenhuma justiça, nem mesmo a dos homens, deve ser exercida com as próprias mãos.[4]
Estabelecido, portanto, que qualquer trabalho espiritual com o objetivo de mutilar o livre arbítrio, ou de prejudicar outras pessoas, deve ser considerado mau uso da mediunidade, cabe analisar os efeitos desse tipo de trabalho para os envolvidos, quais sejam: a vítima, o cliente e o médium.
Será que “macumba” pega?[5]
Com relação às vítimas, sabe-se que o trabalho espiritual malfazejo poderá prejudicar aqueles que estiverem em sintonia com as baixas vibrações energéticas que acompanham esse tipo de trabalho.[6] Por outro lado, as pessoas caridosas, que praticam o bem e têm o hábito de orar, estão protegidas pela espiritualidade superior, e não sofrerão o efeito negativo das encomendas nefastas que lhe forem enviadas.[7]
Nestes casos, tal como uma encomenda não aceita pelo destinatário, a mesma é devolvida aos remetentes - o médium e o cliente - que, de imediato, cairão vítimas do mal que pretenderam praticar.
Por isso, muitas vezes, trabalhos encomendados contra as pessoas protegidas pela prática do bem sequer chegam a ser feitos, pois os trabalhadores espirituais, encarnados e desencarnados, verificam que o feitiço “não vai pegar” e, como preconiza o ditado, voltará contra os feiticeiros.
Ressalte-se, porém, que ainda que o alvo do feitiço não esteja em dia com as orações e as boas ações, e padeça com um ataque desse gênero, sempre existe a possibilidade de buscar a abençoada ajuda de centros espíritas ou espiritistas, terreiros, enfim, qualquer local onde os médiuns trabalhem em conjunto com a espiritualidade do bem, e a vítima se sinta acolhida.
Além de ajudar as vítimas, os obreiros bondosos também podem socorrer os desencarnados que estejam praticando o mal sem consciência do que fazem, ou que estejam sendo forçados a fazê-lo: são os chamados “escravos”, usados pelo feiticeiro e por seus cúmplices desencarnados como lacaios que colocam em prática as encomendas perversas.
Nesse sentido, quem mais tem a perder com o mau uso da mediunidade não é a vítima, mas sim os médiuns que abusam do seu dom, e aqueles que contratam os seus serviços.
O feitiço se virando contra o feiticeiro
A lei do retorno é universal – colhe-se o que se planta – e, cedo ou tarde, aquele que praticou o mal deverá reparar o mal praticado, seja pelo amor, seja pela dor. Essa lei universal, naturalmente, também se aplica àqueles que encomendam ou praticam trabalhos espirituais com o objetivo de interferir no livre arbítrio ou no destino de outras pessoas.
Encontramos na literatura espírita alguns relatos sobre as consequências sofridas pelos médiuns e seus clientes, em decorrência de trabalhos espirituais maléficos.[8] A primeira já foi mencionada – quando o mal é direcionado a uma pessoa caridosa, comprometida com o bem, esse mal não a atinge, e “se volta” contra os malfeitores.
Outro exemplo de colheita é a obsessão espiritual. Se a vítima vier a falecer, e ainda estiver apegada à materialidade, ela pode dar continuidade ao ciclo de vingança, obsediando os encarnados que lhe fizeram o mal. Tal perseguição pode continuar, inclusive, após o desencarne do médium ou do cliente.
Aliás, diga-se, o desencarne dos médiuns e dos seus clientes pode ser prolongado e doloroso, por conta das dívidas espirituais assumidas. Além disso, uma vez desencarnadas, essas pessoas podem ser recrutadas pelos seus antigos cúmplices, chamadas a “pagar” pelos serviços prestados – algumas vezes na condição de escravas, ou seja, contra a sua vontade.
Por óbvio, a misericórdia divina é infinita e, se essas pessoas se arrependerem sinceramente do mal que causaram e clamarem por ajuda, socorristas espirituais virão ao seu auxílio, e elas terão a oportunidade de receber o tratamento espiritual necessário. Assim, poderão reequilibrar seu perispírito e planejar seu futuro, de modo a repararem o mal feito.[9]
O que fazer, então, para encontrar a pessoa amada, ou receber uma ajudinha lá de cima?
A ajuda espiritual é facultada a todos, na forma de oração. O merecimento da graça solicitada é construído através das boas ações e da caridade. Se o plano de vida da pessoa permitir, é possível, sim, receber uma ajudinha lá de cima, para que aconteça o tão sonhado encontro. Orações feitas com fé, visando o bem, seja o próprio ou o do próximo, sempre são ouvidas e, essa parte é importante - quando possível -, atendidas.[10] Ah, e tudo ocorre no tempo devido – esqueça o prazo de 3 dias e confie na sabedoria divina!
Referencias
[1] Há o curioso relato de um homem casado que encomendou um trabalho espiritual para conquistar a amante e depois, insatisfeito com a relação extraconjugal, encomendou outro para que ela se afastasse (Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho, pelo espírito ANTÔNIO CARLOS. Entrevistas com os Espíritos, Ed. Petit, 2011, p. 180). [2] No romance espírita “Ninguém é de Ninguém”, Roberto consegue transformar Gabriela em uma “esposa fogosa”, mas com gravíssimas consequências para ele (Zíbia Gasparetto, pelo espírito LUCIUS. Ninguém é de Ninguém, disponível em <https://www.ebookespirita.org/ZibiaGasparetto/NiguemedeNinguem.pdf>). [3] Francisco Cândido Xavier, pelo espírito EMMANUEL. Vida e Sexo, 27ª edição, Ed. FEB, 2019, pp. 83-86. [4] O espírito Naninha traz um alerta para aqueles que fazem mau uso da mediunidade, tal como ela fez quando encarnada: “Para aqueles que agem maldosamente com a mediunidade, repensem, tenham coragem para parar e se voltem ao bem. Não se iludam: ninguém está agindo certo se essa atividade prejudica alguém” (Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho, pelo espírito ANTÔNIO CARLOS. Entrevistas com os Espíritos, Ed. Petit, 2011, p. 193, grifou-se). [5] O termo “macumba” foi evitado nesse artigo, por estar carregado de preconceito contra as religiões de matriz africana. De todo modo, sobre a eficácia do trabalho espiritual maligno, com esclarecimentos sobre a verdadeira origem da palavra “macumba”, recomenda-se a leitura do artigo “Macumba Pega?”, de Jackelline Furuuti, disponível em <https://www.letraespirita.blog.br/post/macumba-pega>. [6] Alguns afastam cabalmente a possibilidade de um trabalho espiritual fazer mal à sua vítima, com base na Questão 551 do Livro dos Espíritos, “Pode um homem mau, com o auxílio de um mau Espírito que lhe seja dedicado, fazer mal ao seu próximo?” que tem como resposta: “Não; Deus não o permitiria”. Sem embargo, encontramos na resposta à Questão 557 uma ressalva condizente com os inúmeros relatos encontrados na literatura espírita, confirmando a possibilidade de o trabalho espiritual maligno encontrar eco na vítima que tem afinidade com as baixas vibrações: “(...) Jamais a bênção e a maldição podem desviar da senda da justiça a Providência, que nunca fere o maldito, senão quando mau, e cuja proteção não acoberta senão aquele que a merece.” (grifou-se). [7] Como afirma o espírito Naninha, uma desencarnada arrependida de seu passado como médium: “Diria para as pessoas (...) que não sentissem medo desse tipo de maldade. O medo é um sentimento negativo, como também críticas e condenações. Diria que orassem, tivessem bons pensamentos e fizessem caridade, porque é quase impossível uma maldade como as que eu fazia atingir quem tem a couraça de ‘obrigados’ e ‘Deus lhe pague’!” (Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho, pelo espírito ANTÔNIO CARLOS. Entrevistas com os Espíritos, Ed. Petit, 2011, p. 193, grifou-se). [8] Diversas obras espíritas abordam o assunto - algumas foram citadas em notas deste artigo. [9] O espírito Antônio Carlos relata entrevistas com três desencarnados que, em vida, foram médiuns e fizeram uso indevido desse dom. O primeiro, chamado Lucrécio, persistia no erro: levava a cabo os trabalhos encomendados a um médium encarnado que ele mesmo havia treinado, quando vivo. A segunda, Naninha, arrependeu-se dos seus erros assim que desencarnou, foi socorrida e planejava não receber o dom da mediunidade em uma vida futura, por ainda não confiar na própria capacidade de resistir à tentação de abusar deste dom. O terceiro, Firmindo, sofrera tantos ataques por seus inimigos, após o desencarne, que acabou ficando mentalmente perturbado, a ponto de não estar respondendo como esperado aos tratamentos espirituais que recebia no posto de socorro (Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho, pelo espírito ANTÔNIO CARLOS. Entrevistas com os Espíritos, Ed. Petit, 2011, pp. 177-198). [10] Há o engraçado relato da oração de um traficante que, feita com fé, foi recebida e lida pelo Departamento de Pedidos no plano espiritual. O conteúdo, porém, impedia que a oração fosse atendida – o traficante pedia que seu carregamento de drogas não fosse descoberto pela polícia. Mesmo não sendo capaz de atender ao pedido do traficante, a espiritualidade tentou ajudá-lo, incentivando-o a largar a vida do crime. Como ele gostava do que fazia, não seguira a inspiração dos amigos espirituais. Isso mostra que mesmo o livre arbítrio de um traficante de drogas é respeitado pela espiritualidade superior (Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho, pelo espírito PATRÍCIA. Vivendo no Mundo dos Espíritos, Ed. Petit, 1993, p. 49).
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