Uma Visão Espírita sobre Cuidados Paliativos: A Dignidade da Morte
Janaína Magalhães
“Cuidados Paliativos consistem na assistência, promovida por uma equipe multidisciplinar, que objetiva a melhoria da qualidade de vida do paciente e de seus familiares diante de uma doença que ameace a vida, por meio da prevenção e do alívio do sofrimento, da identificação precoce, avaliação impecável e tratamento de dor e demais sintomas físicos, sociais, psicológicos e espirituais”. Organização Mundial da Saúde – 2002
Conforme nos explica Ana Cláudia Quintana em seu livro A morte é um dia que vale a pena viver, muitas pessoas acreditam que cuidado paliativo é sedar o paciente e esperar a morte chegar, ou, apoiar a eutanásia e acelerar a morte, mas isso é um engano imenso. Ao contrário, os cuidados paliativos são um conjunto de medidas que auxiliam o paciente a ter mais qualidade de vida, ou seja, mais dignidade, inclusive na hora da morte.
Quando recebem o diagnóstico de uma doença grave as pessoas entram em sofrimento já desde o diagnóstico, pois se deparam com o questionamento sobre qual seria o sentido da vida e a angustiosa realidade de talvez não ter mais tempo de vivenciar os seus projetos tão sonhados. Nesse contexto, os cuidados paliativos entram como uma possibilidade de suspender tratamentos considerados fúteis e também a ampliação da assistência oferecida por uma equipe capaz de “cuidar dos sofrimentos físicos, dos sintomas da progressão da doença ou das sequelas de tratamentos agressivos que foram necessários no controle da doença grave ou incurável”. (ARANTES, 2019, P.40)
Diante de uma doença grave e de caminho inexorável em direção à morte, a família adoece junto. O contexto de desintegração ou de fortalecimento dos laços afetivos permeia, muitas vezes, fases difíceis da doença física de um de seus membros. A depender do espaço que essa pessoa doente ocupa na família, temos momentos de grande fragilidade de todos que estão ligados por laços afetivos, bons ou ruins, fáceis ou difíceis, de amor ou de tolerância, até mesmo de ódio. (ARANTES, 2019, P.41)
O processo de morrer pode ser muito difícil e causar muito sofrimento para a maior parte das pessoas, haja vista a falta de profissionais da saúde qualificados para lidar com esse momento e hábeis para conduzir esse tempo sagrado da vida humana.
Nesse processo, quando temos à nossa disposição uma equipe de saúde de fato habilidosa para conduzir os cuidados com o tempo que nos resta, mesmo que seja pouco, então teremos a chance incrível de sair desta existência pela porta da frente, com honras e glórias dignas de grandes heróis, reis e rainhas da própria vida. (ARANTES, 2019, P.47)
No momento em que a pessoa se depara com sua finitude e com a consciência de que está morrendo, sua dimensão espiritual também corre o risco de adoecer: uma vez que essa relação com o sagrado seja baseada em trocas ou barganhas com Deus, ela perde o sentido quando constatado “que nada vai adiar o Grande Encontro, o Fim, a Morte”. (ARANTES, 2019, P.41-42)
Ana Cláudia conta que em seu trabalho com cuidados paliativos, as pessoas que estão morrendo e suas famílias acabam entrando em contato com questões muito profundas da existência humana relacionadas com a Espiritualidade. A maior parte das pessoas se dá conta da importância da sua religião ou da sua religiosidade quando está conscientemente perto da morte, seja por estar muito doente, seja porque alguém da família está muito doente. Então essa pessoa depara com a possibilidade de se relacionar com Deus. (ARANTES, 2019, P.103-104)
Ana Cláudia acredita que o que faz girar esse eixo de Espiritualidade dentro de cada um é o Amor e a Verdade que se vive com integridade.
O Amor que sentimos, pensamos, falamos e vivemos. A Verdade que sentimos, pensamos, falamos e vivemos. Não importa qual a nossa religião, não importa se acreditamos ou não em Deus. Se a nossa espiritualidade estiver em uma base de Amor e Verdade, vivenciados e não somente conceituados, não importa o caminho que escolheremos, a vida dará certo. Sempre. (ARANTES, 2019, P.112-113)
Esse pensamento vem de encontro com o preconiza a Doutrina Espírita. O Evangelho Segundo o Espiritismo, capítulo 5, Item 18, vem nos falar sobre o bem e o mal sofrer:
Poucos sofrem bem; poucos compreendem que somente as provas bem suportadas podem conduzi-los ao Reino de Deus. O desânimo é uma falta. Deus vos recusa consolações, desde que vos falte coragem. A prece é um apoio para a alma; contudo, não basta: é preciso tenha por base uma fé viva na bondade de Deus. Ele já muitas vezes vos disse que não coloca fardos pesados em ombros fracos. O fardo é proporcionado às forças, como a recompensa o será à resignação e à coragem. Mais opulenta será a recompensa, do que penosa a aflição. Cumpre, porém, merecê-la, e é para isso que a vida se apresenta cheia de tribulações.
Bem-aventurados os aflitos pode então traduzir-se assim: Bem -aventurados os que têm ocasião de provar sua fé, sua firmeza, sua perseverança e sua submissão à vontade de Deus, porque terão centuplicada a alegria que lhes falta na Terra, porque depois do labor virá o repouso. – Lacordaire (Havre, 1863).
Essa passagem vem nos trazer a importância da fé e de que como o homem de fé deve suportar as dificuldades e provas da vida, fazendo-o sem murmurações, sem revolta e confiante nos Desígnios Divinos. Afinal, quem somos nós para julgar os Desígnios de Deus? O Evangelho Segundo o Espiritismo nos faz refletir sobre isso e se seria lícito abreviar a vida de um doente sem esperança de cura:
28. Um homem está agonizante, presa de cruéis sofrimentos. Sabe-se que seu estado é desesperador. Será lícito pouparem-se-lhe alguns instantes de angústias, apressando-se-lhe o fim?
Quem vos daria o direito de prejulgar os desígnios de Deus? Não pode Ele conduzir o homem até a borda do fosso, para daí o retirar, a fim de fazê-lo voltar a si e alimentar ideias diversas das que tinha? Ainda que haja chegado ao último extremo um moribundo, ninguém pode afirmar com segurança que lhe haja soado a hora derradeira. A Ciência não se terá enganado nunca em suas previsões?
Sei bem haver casos que se podem, com razão, considerar desesperadores; mas, se não há nenhuma esperança fundada de um regresso definitivo à vida e à saúde, existe a possibilidade, atestada por inúmeros exemplos, de o doente, no momento mesmo de exalar o último suspiro, reanimar-se e recobrar por alguns instantes as faculdades! Pois bem: essa hora de graça, que lhe é concedida, pode ser-lhe de grande importância. Desconheceis as reflexões que seu Espírito poderá fazer nas convulsões da agonia e quantos tormentos lhe pode poupar um relâmpago de arrependimento.
O materialista, que apenas vê o corpo e em nenhuma conta tem a alma, é inapto a compreender essas coisas; o espírita, porém, que já sabe o que se passa no Além-Túmulo, conhece o valor de um último pensamento. Minorai os derradeiros sofrimentos, quanto o puderdes; mas guardai-vos de abreviar a vida, ainda que de um minuto, porque esse minuto pode evitar muitas lágrimas no futuro. – São Luís (Paris, 1860) - (O Evangelho Segundo o Espiritismo, cap. 5, Item 28).
Com essa resposta, os Espíritos vêm nos advertir sobre a magnificência de Deus, que Tudo Pode. No curso de uma doença grave, existem muitos casos em que o paciente recobra a saúde quando aparentemente não havia mais recursos para ele. E mesmo que já tenha chegado a hora da morte daquele ser, os Espíritos nos chamam a atenção para os últimos momentos em que entre os momentos de lucidez, o paciente pode refletir sobre seus atos e sobre sua vida, trazendo o arrependimento confortador que vai auxiliá-lo na transição.
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Referências:
ARANTES, Ana Claudia Quintana – A morte é um dia que vale a pena viver – 1.ed. Rio de Janeiro/RJ: Sextante, 2019.
KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. 1. ed. Campos dos Goytacazes-RJ: Editora Letra Espírita, 2023.
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