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Um Conto de Natal


Simara Lugon


Era inverno e fazia muito frio na cidadezinha onde Miguel e sua irmã Joana moravam. Os dois brincavam juntos ao pé da lareira enquanto sua mãe cantarolava uma canção no cômodo ao lado. Seu pai descansava em sua cadeira de balanço com os olhos fechados, mas atento aos movimentos ao seu redor.


Miguel movia seu trenzinho para frente e para trás e sua irmã brincava com uma boneca de pano que tinha os cabelos cacheados e um laço de fita vermelho no topo da cabeça. A boneca se parecia com ela: tinha olhos curiosos e estava sempre sorrindo.


Papai, quantos dias faltam para o Natal? – Perguntou Miguel.


Faltam dois dias, mas amanhã mesmo viajaremos para vermos a neve, pois certamente ela começará a cair ainda esta noite.


Não vejo a hora de brincarmos na neve, Miguel. Você me deixa montar o boneco com você este ano?


Sim, mas você precisa seguir minhas ordens.


Você é o melhor irmão de todos – disse Joana abraçando o irmão com alegria.

Ele sorriu orgulhoso, enquanto o pai continuava com seus olhos fechados, balançando lentamente em sua cadeira.


No dia seguinte pela manhã, Miguel acordou e sentou-se à mesa para fazer seu desjejum.


Onde está Joana, mamãe?


Ainda deve estar dormindo.


Estranho, ela sempre se levanta antes de mim.


É verdade, vou ver se ela está bem – disse a mãe preocupada, enquanto Miguel abocanhava um pedaço de bolo já pensando na neve que veria aquela tarde na cidade vizinha.


Adorava passar o Natal na casa de férias da família, onde todo inverno nevava e ele brincava de guerra de bolas de neve com o pai, fazia bonecos engraçados para a irmã e descia as ladeiras de trenó com as crianças da cidade. Para deixar tudo mais perfeito, sua mãe preparava uma apetitosa ceia de Natal com todas as suas comidas prediletas e biscoitos com cobertura que formavam rostinhos sorridentes, que apesar de meio tortos, faziam todos sorrirem pois eram muito engraçados.


Mastigava seu bolo sorrindo enquanto ansiava por aqueles momentos. No dia de Natal sabia que ganharia um belo presente, como todos os anos, e mal podia esperar para pegarem a estrada e viver aqueles dias tão prazerosos.


Seus devaneios foram interrompidos por um grito estridente.


Sérgio, venha aqui, rápido.



Viu seu pai correr até o quarto e após alguns instantes passou rapidamente pela porta com sua irmã nos braços.


O que houve papai?


Sua irmã teve uma crise de asma, precisamos ir até o hospital. Cuide da casa enquanto eu e sua mãe vamos até lá. Assim que puder mandaremos notícias.


Mal podia acreditar no que acontecia. Outra crise de asma da Joana. Com tantos dias para ficar doente, ela escolheu justo o dia da viagem de Natal, somente para estragar os seus planos? Aborrecido, tirou os pratos, talheres e xícaras da mesa e os colocou dentro da pia com tanta violência que quebrou uma xícara branca, restando apenas a alça em sua mão.


Mais essa agora. – Pensou, enquanto recolhia os cacos de vidro cuidadosamente.


Sua irmã era assim desde que nasceu. Antes dela aparecer sua vida era tão pacata. Os brinquedos eram só dele, não tinha que dividir com ninguém. O quarto era só dele, com os objetos que gostava, e não aquelas bonecas coloridas e fitas para todo lado. A atenção dos pais era toda para ele, e tudo o que fazia parecia ter muita importância, até a chegada da Joana, que roubou para si todas as atenções e, como se não bastasse, agora roubava até mesmo o Natal dele. Isso era tão injusto.


Lavou toda a louça e deitou em sua cama. Olhou para a cama da irmã e viu a boneca dela que o encarava sorrindo.


Está rindo de que? Não vejo a menor graça.


A boneca continuava com seu olhar curioso e seu sorriso congelado, o encarando. Virou-se para o outro lado da cama e pensou consigo mesmo:


Queria que a Joana nunca tivesse existido. Se não fosse por ela, eu poderia agora estar chegando na nossa casa de campo, me preparando para brincar na neve, mas aqui estou nessa casa sem graça e sem nada para fazer. E pelo visto passarei meu Natal aqui, entediado, enquanto meus pais cuidam da chata da minha irmã. Se Papai Noel realmente existisse ele atenderia meu pedido e deixaria que eu fosse feliz no Natal, me levaria para a casa de inverno e eu poderia me divertir sem que a minha família me aborrecesse com seus problemas.


E assim, entre queixas e resmungos, adormeceu.


Após algumas horas Miguel acordou e mal podia acreditar no que via pela janela de seu quarto: flocos de neve caíam do lado de fora de sua casa.


Levantou-se e a casa estava escura. Caminhou tateando pelas paredes até alcançar o interruptor e acendeu a luz.


Mas o que era aquilo? Seus desejos foram atendidos? Estava na casa de campo da família, na véspera de Natal.


Vestiu seu casaco marrom, seu gorro e seu cachecol vermelho, suas luvas brancas e correu até o lado de fora deixando a neve cair com suavidade em seu rosto enquanto sorria.


Começou a fazer seu boneco de neve, como todos os anos. Sua irmã iria adorar!


Enquanto trabalhava no boneco, perguntou-se onde estaria Joana e seus pais. Observou que a casa estava toda escura, apenas a luz de seu quarto estava acesa. O que teria acontecido com eles? Após alguns minutos brincando na neve percebeu que não havia ninguém nas redondezas. Entrou novamente na casa e foi até a sala. A árvore de Natal que enfeitava junto a família na noite de Natal piscava suas luzes coloridas.


Engraçado, montaram a árvore sem mim. Onde estarão todos? Além disso não me lembro de como chegamos aqui, nem que horas.


Olhou para grande relógio pendurado na parede e surpreendeu-se pois já eram quase onze horas da noite. Todos deveriam estar sentados à mesa para desfrutarem da ceia de Natal àquela hora.


Foi até a cozinha e a grande mesa onde sentavam-se todos os anos em família para comemorar o Natal estava repleta de guloseimas, além das comidas tradicionais de Natal. Ainda saía fumaça do peru, certamente recém-saído do forno. Mas continuava sem ver ou ouvir ninguém.


Faminto, sentou-se à mesa e decidiu servir-se. Estava tudo delicioso. Comeu até sentir-se verdadeiramente farto.


Neste momento sentiu falta dos biscoitos engraçados de sua mãe. Não tinha sido ela que preparara aquela ceia. Aquele silêncio, aquele vazio da casa, não combinavam com a felicidade que sentia todos os anos do Natal. Havia algo de muito errado.


Seu semblante iluminou-se ao ouvir a campainha. Eles deviam ter chegado. Lembrou que sua irmã estivera doente naquela manhã, certamente eles haviam se atrasado, mas finalmente chegavam!


Correu até a porta para atendê-los.


Miguel abriu a porta da casa e um senhor de barba e cabelos brancos sorriu para ele.


Não vai me convidar para entrar? – Perguntou o senhor.


Desculpe, pensei que fosse minha família.


Mas eu atendi o seu pedido, pequeno Miguel. Achei que você estaria feliz esta noite, sem sua família, na casa de campo, brincando na neve e se fartando com uma ceia de Natal e brinquedos só para você.


Espera aí, você é o Papai Noel?


Sim, sou eu mesmo. Não vai me agradecer e me convidar para entrar? Está bem frio aqui fora – disse, esfregando as mãos.


Claro, entre – disse Miguel, ainda atônito com tudo o que ocorria.


Convidou Papai Noel para servir-se à mesa.


Muito agradecido Miguel. Tudo está realmente delicioso. – dizia ele enquanto mastigava. No entanto, senti falta dos biscoitos de sua mãe. Eles são realmente magníficos e sempre me fazem rir. Ho ho ho!


Miguel continuava surpreso e tentava compreender o que acontecia naquela noite mágica.


Mas onde estão meus pais?


Miguel, você pediu para que eu fizesse você feliz no Natal, e que viesse para sua casa de campo sem a sua família para que você pudesse brincar e se divertir, e pediu também para que sua irmã não existisse, não foi?


Sim, mas...


Seus desejos foram atendidos.


Mas eu não estou feliz. Não sei o que está acontecendo, mas me sinto terrivelmente triste, mesmo com todos os meus desejos atendidos – disse Miguel, não conseguindo conter as lágrimas que começaram a cair sem parar.


Fique calmo, não precisa chorar. Vamos dar um passeio, pegue seu casaco e venha comigo.


Miguel obedeceu pois não sabia o que fazer e não queria ficar ali sozinho nem mais um minuto.


Subiu no trenó junto com o Papai Noel e saíram voando pelo céu, puxados pelas renas que voavam sob a neve. A noite estava belíssima e o branco da neve cobria toda a paisagem do campo. O verde das árvores estava encoberto pela neve, assim como o topo das montanhas. Voaram por alguns minutos e aterrissaram próximo a uma casa bem humilde e isolada.


Venha comigo, Miguel.


Aproximaram-se da janela do casebre e observaram uma senhora deitada na cama, ofegante. Ela parecia muito doente. Duas crianças magras e abatidas velavam seu sono. A menina chorava, estava com fome. O menino ao seu lado olhava preocupado para a mãe, que parecia não responder ao seu apelo visual. Ele abraçou a irmãzinha, tentando acalmá-la.


Algumas horas se passaram e a mãe não resistiu. Algumas pessoas chegaram na casa e levaram o corpo da falecida mãe, enquanto um homem dizia ao menino:


Se você não conseguir alimentar sua irmã a levaremos para um abrigo, pois você já pode se cuidar, mas ela não.


Não precisa, eu conseguirei cuidar dela. - Afirmou o menino, com segurança.


Papai Noel e Miguel observavam a cena, mas não eram vistos. Miguel perguntou se o Papai Noel não podia fazer nada. Ele não respondeu, apenas apontou para o menino, que entrou de volta na casa.


Ouviram o choro da menina, que continuava com fome enquanto o menino abria os armários da despensa sem nada encontrar. Ele suplicou:


É noite de Natal. Se Papai Noel realmente existisse eu pediria um pão que nunca acabasse para que eu pudesse alimentar minha irmãzinha e eu cuidaria dela para sempre.


Papai Noel piscou para Miguel e tirou de sua bolsa vermelha o embrulho de um pão mágico. Enquanto os irmãos deitaram-se para dormir, Papai Noel e Miguel entraram na casa e deixaram o pão sobre a mesa da cozinha. Miguel observou a menina dormindo e notou que ela se parecia muito com Joana.


Papai Noel chamou Miguel de volta para o trenó e os dois retornaram para a casa de campo.


Papai Noel, esta menina parecia-se muito com minha irmã.


Sim, Miguel – respondeu Papai Noel, enquanto observava as luzes das casas do alto do trenó. Esse menino era você mesmo e a menina era sua irmã. Em uma outra encarnação vocês passaram necessidade e você me fez um pedido, mas prometeu que sempre cuidaria de sua irmã e de sua família. No entanto você não vem cumprindo o prometido nesta atual encarnação.


Miguel abaixou a cabeça envergonhado e lágrimas de arrependimento correram pelo seu rosto de criança. Chegaram na casa de campo de Miguel e pararam próximo à entrada.


Pois então eu quero mudar meu pedido – disse Miguel, cabisbaixo. – Quero voltar para minha casa e apenas estar com minha família na noite de Natal e em todas as outras noites da minha vida. Não quero presentes, brinquedos, neve, nada disso. Quero minha família de volta, mais nada.


Infelizmente só posso atender um pedido por Natal, você conhece as regras. O seu pedido neste Natal já foi atendido, e agora eu preciso ir embora – disse Papai Noel, despendendo-se apressadamente deixando o menino solitário na porta de sua casa.


Miguel observou o boneco de neve que havia feito com carinho para sua irmã, solitário próximo à entrada da casa. Entrou cabisbaixo e deitou-se na cama, arrependido por seu egoísmo, pensando:


Daria tudo para estar com minha família novamente – e assim adormeceu, entre lágrimas dolorosas.


Passadas algumas horas ele acordou. Estava escuro, mas Miguel ouvia passos do lado de fora. Acendeu a luz do quarto e constatou que estava de volta em sua casa.


Quando olhou pela janela, mal podia acreditar: Seu pai, sua mãe e Joana estavam chegando do hospital. Ainda era véspera de Natal, e Joana apesar de abatida, abriu um sorriso sincero ao ver o irmão pela janela.


Cheguei Miguel, infelizmente não vamos brincar na neve neste Natal, mas podemos brincar com minha boneca e seu trenzinho no chão da sala, o que você acha?


Miguel correu para abraçar a irmã, entre lágrimas, dizendo:


Não há ideia melhor, Joana. O importante é estarmos sempre juntos e eu vou sempre cuidar de você!


Os pais entreolharam-se surpresos com a alegria do filho, e a mãe disse:


Preciso me apressar, ainda não fiz os biscoitos malucos de Natal.


Esses biscoitos não podem faltar, mamãe. E não esqueça de deixar um sobre a mesa antes de dormir pois são os preferidos do Papai Noel.


Ao longe um senhor de barba e cabelos brancos observava a família sem ser visto, aguardando ansiosamente pela noite onde certamente iria saborear os melhores e mais engraçados biscoitos de Natal que já tinha provado.



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