O Espiritismo e a questão da solidão na era digital
- editoraletraespiri
- 16 de jul.
- 4 min de leitura

Rafaela Paes de Campos
A solidão é, desde sempre, vista como algo doloroso. Ver-se desacompanhado de presenças que possam nos acompanhar ao longo de nossos caminhos é situação que remete a grande tristeza e desalento. E é realmente assim; a solidão é ensurdecedora. Entretanto, a realidade atual nos traz um panorama diferente a respeito do tema e sobre o qual é preciso refletir.
Com a situação vivenciada pela Humanidade em tempos de pandemia, todos precisamos nos afastar uns dos outros em prol da segurança de nossa saúde e daqueles a quem amamos. Esta era a demanda daquele momento e que, inicialmente, nos trouxe profunda angústia. Todavia, com o passar do tempo, esse cenário sofreu mudanças.
Em algum momento dessa história uma grande parcela das pessoas sentiu-se confortável em ver-se sozinho. Em meio aos tantos problemas que atravessamos, e que não se limitaram apenas à crise sanitária, nós nos tornamos mais intolerantes. A solidão virou um confortável sofá onde muitos se acomodaram e permaneceram.
Somado a isso, na mesma época, houve um crescimento vertiginoso no consumo de conteúdo digital, as redes sociais ganharam páginas e mais páginas, lives pululavam nas telas e nós, como sempre, descambamos ao desequilíbrio de uma exposição massiva e, claro, nada saudável, ao excesso de informações e estímulos de toda espécie.
Tudo isso persiste até os dias atuais.
Somos seres criados para o convívio social e Deus nos ofertou as faculdades necessárias para que essa situação se concretizasse. Quando nos isolamos, estamos nos empobrecendo, e isso é inegável, pois não há troca e, por isso, não há aprendizado de quaisquer das partes. É o que nos ensina Kardec em nota à questão 780 de O Livro dos Espíritos:
Homem nenhum possui faculdades completas. Mediante a união social é que elas umas às outras se completam, para lhe assegurarem o bem-estar e o progresso. Por isso é que, precisando uns dos outros, os homens foram feitos para viver em sociedade e não insulados (KARDEC, 2022, p. 280).
A solidão é um lugar confortável pois nos permite o “não esforço”. Na tranquilidade de quem somos e na relação apenas com aqueles com quem temos clara afinidade, reside a estagnação de não aprender nem ensinar. Não há falta de paciência, as irritações são menores, não precisamos discutir opiniões. É um lugar deveras aconchegante, mas pouco recomendado.
Devemos todos ter momento de solitude; instantes em que serenamos, silenciamos, nos conectamos a Deus, à Espiritualidade e a nós mesmos. Isso é saudável, mas não significa um isolamento absoluto.
Da forma com que estamos vivendo, estamos nos privando de trocas e, consequentemente, de uma evolução pessoal massiva. Na solidão não há reforma íntima a ser praticada, pois nossos defeitos não aparecem como acontece em sociedade. Mas, não paramos por aí.
Estamos cada vez mais expostos a diversos conteúdos na internet – solitários, o celular é nosso novo melhor amigo. Redes sociais são a febre do momento com os tantos influencers que surgem todos os dias... com suas vidas perfeitas, riquezas, relacionamentos felizes, beleza fora de alcance... Aqui nasce outro problema.
O ser humano é tendente a não estar satisfeito, seja com seu corpo, aparência, posição social, emprego. Hoje, mais do que nunca, esse sentimento de inadequação se exacerba; nos esquecemos de que tudo que se vê nas telas frias é bem pensado, feito para que a imagem transmita exatamente a mensagem de plenitude, quando, no fim das contas, a realidade é igual a nossa, cheia de problemas e questões que não são traduzidas em fotos, viagens e festas perfeitas.
Buscamos padrões inalcançáveis, pois, por exemplo, o padrão de beleza dos dias atuais é um que não existe, fabricado por filtros e programas de edição que não modificam a realidade, mas criam uma nova. Pode parecer óbvio, mas quando somamos isso a nossa atual tendência ao isolamento, tudo se exacerba, porque nem nós somos mais o que as fotos mostram. Como sair de casa se eu não sou quem viram?
Assim, estamos isolados, insatisfeitos, achando que a grama do vizinho é sempre mais verde porque, na realidade, a vida é “sem graça”, pois ela é normal; trabalho, estudo, resolver problemas, pagar contas... Estamos mais tristes.
É preciso repensar os nossos posicionamentos diante das mudanças que vivenciamos e, ainda mais, quanto a realidade que hoje nos cerca. Vamos conviver ad eternum com a tecnologia, e ela se expandirá mais e mais. Quando retomaremos a nossa noção do que é real e do que não é? Quando voltaremos a estabelecer relações saudáveis que nos permitam ensinar e aprender?
Quais exemplos estamos angariando dos novos famosos? Será que todos têm algo útil a ensinar? Que possamos refletir sobre isso e traçar um novo rumo para as nossas atitudes, valorizando o que há de importante, aquilo que é imaterial, íntimo, e que são os únicos bens que levaremos em nossa viagem de retorno à Pátria Espiritual. Filtremos os conteúdos, tenhamos equilíbrio e, com a devida licença, relembrando o fim do livro Arquétipo das Trevas, de minha autoria e publicado pela editora Letra Espírita, analisemos seriamente a quem estamos dando palco em tempos de tanta exposição e facilidade de se tornar relevante.
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Referência:
KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos, tradução de Guillon Ribeiro. Campos dos Goytacazes/RJ: Editora Letra Espírita. 2022.
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