Fé e Cura Física
Ana Paula Martins
Antes de relacionar fé e cura, é necessário abordar um pouquinho o assunto doença. Aqui a doença será dividida em dois tipos.
O primeiro tipo de doença é por combinação reencarnatória. Antes de o Espírito encarnar, é feito no Plano Espiritual um projeto reencarnatório, onde é planejado, entre outras coisas, em qual corpo o Espírito reencarnará, como, por exemplo, com que altura, cor dos olhos, tipo de cabelo, condições de órgãos, tudo isso levando em consideração, também, as necessidades provatórias.
No capítulo 4 do livro No Mundo Maior (XAVIER, 2017, pg. 49), André Luiz explica que o corpo humano sutil se submete às leis de recapitulação, hereditariedade e desenvolvimento fisiológico, em conformidade com o mérito ou demérito trazido e a missão a ser realizada. A química fisiológica e espiritual é consequência dos atos do Espírito. Se, por exemplo, o Espírito assume o compromisso de ser portador de uma doença como Diabete Mellitus Tipo I, ele terá que ter condutas diárias específicas, como dieta, exercícios físicos, uso de insulina, frequentes exames laboratoriais, visitas periódicas a médicos. Com isto, ele precisará de muita disciplina e cuidados especiais com o corpo. É importante ressaltar que o Espírito não busca a doença ou o sofrimento como opção de vida, mas sim como forma de crescimento espiritual.
O segundo tipo de doença analisado é por descuido ao próprio corpo, como, por exemplo, a ingestão de drogas (lícitas ou não), os excessos alimentares, a falta de zelo corporal e, até mesmo, a falta de precaução com as sujidades que nos cercam.
Agora, há de se comentar um pouco sobre a fé. A fé é algo muito particular e, por isso, de difícil definição, mas pode-se dizer que é um sentimento muito profundo, como uma confiança instintiva da existência de Deus. A fé se relaciona diretamente com Leis Divinas, conectando Criador e criatura.
A fé tem que ser desenvolvida, através da incessante busca por respostas, sejam para confirmar ou negar que há “algo” muito maior, tem que se basear em razão. Pode parecer estranho associar fé e razão, porém, partindo do princípio de que o aprendizado espiritual ocorre através do estudo, do debate, do aprendizado, concluímos que a própria Doutrina Espírita nos leva ao desenvolvimento da fé raciocinada. Isso fica claro nas palavras de Emmanuel no livro O Consolador (XAVIER, 2017, pg. 232): “a fé é alcançar a possibilidade de não mais dizer: “eu creio”, mas afirmar: “eu sei”, com todos os valores da razão tocados pela luz do sentimento”.
Uma das formas de “praticar” a fé é através da prece, que também é um meio para alcançar a cura. Contudo, não é um caminho fácil, pois grande parte das pessoas têm o hábito de fazer preces de forma mecânica. A prece é a grande oportunidade de conexão com a Espiritualidade, mas para que isso ocorra é necessário que seja resultado da vontade e do pensamento.
A verdadeira prece pode levar à cura. Entretanto, é preciso ressaltar que não existem milagres. No livro A Gêneses (KARDEC, 2018, p. 247) é explicado que fenômenos “sobrenaturais” são apenas fenômenos ligados à existência dos Espíritos e à sua consequente intervenção no mundo material. Então é claro quando se conclui que o princípio espiritual e o princípio material possuem necessariamente uma grande afinidade, visto que eles reagem incessantemente um sobre o outro. A ação simultânea que existe entre esses dois princípios tem como resultado o movimento e a harmonia do conjunto. Assim, é possível dizer que a “espiritualidade” e a “materialidade” são duas partes de um mesmo todo, visto que tanto uma quanto a outra são naturais.
No Livro dos Médiuns (KARDEC, 2023) é perguntado se é possível a cura apenas por meio de prece, sendo respondido que algumas vezes sim. Isto confirma que é possível o pensamento atuar sobre os fluidos, a energia e as ligações espirituais.
Isto posto, é bom lembrar que o fluido cósmico universal é a origem de tudo, ou seja, o fluido é um elemento cósmico que dá origem à formação de todas as coisas pelas suas consequentes modificações, encontrando-se nos estados de eterização e de condensação (ou materialização). Os fluidos são elementos que passam por várias transformações até chegar à materialização (condensação dos fluidos). O fluido etérico, o éter propriamente dito, é de domínio do Plano Espiritual, enquanto o material pertence ao mundo dos encarnados. Enquanto o elemento material é trabalhado pelos encarnados, o fluído cósmico é trabalhado pelos Espírito, que o manejam com muita facilidade, através do pensamento.
No livro A Gênese (KARDEC, 2018, p. 261) é possível compreender que “o perispírito, ou o corpo fluídico dos Espíritos, é um dos produtos mais importantes do fluido cósmico universal. Ele é uma condensação desse fluido em torno de um foco de inteligência chamado Alma. Também já vimos que o corpo físico tem a sua origem nesse mesmo fluido condensado e transformado em matéria tangível. No perispírito, a transformação molecular ocorre de modo diferente, uma vez que o fluido cósmico universal conserva a sua imponderabilidade e as suas qualidades etéreas. Assim, o corpo perispiritual e o corpo físico têm origem no mesmo elemento primitivo, e podemos dizer que ambos são matérias, ainda que em dois estados diferentes”.
O poder da fé tem aplicação direta na ação magnética, podendo agir sobre o fluido universal (modificando as suas qualidades), ou seja, operar os fenômenos de cura.
Falar de cura pela fé é muito complexo, porque não existe uma “receita”, cada caso é único, com todas as suas nuances. Pode-se falar de forma geral e aqui será feito relacionando com os dois tipos de doenças que foi estabelecido.
No primeiro tipo de doença, a que ocorre por uma combinação determinada antes da encarnação, há um compromisso assumido, que tem como objetivo primordial vencer as más inclinações. Sendo assim, a fé não irá curar a doença assumida antes mesmo de nascer. Entretanto, a fé pode ser a base para o enfretamento da doença, fazendo com que a pessoa seja fortalecida para suportar de forma resiliente qualquer dificuldade que haja, podendo, também, obter a diminuição do sofrimento.
Um grande exemplo é o caso de Jerônimo Mendonça Ribeiro (contado no livro Asas da Liberdade, de Célia Xavier Camargo), que desenvolveu artrite reumatoide, problemas cardíacos e perda gradativa da visão. Foi de um bom jogador de futebol a um doente permanentemente acamado. Manteve sua fé firme e permaneceu ativo na divulgação do Espiritismo.
No segundo tipo, a doença adquirida por conduta inapropriada, será possível a total cura através da fé, como um pedido atendido. Entretanto, pode ocorrer de não se alcançar a cura devido ao comprometimento irremediável do corpo físico. Há ainda a hipótese de a cura física não ser realizada, para não ocasionar um mal espiritual muito grande.
Imagine-se um homem que abusou da ingestão de álcool a vida toda e, consequentemente, desenvolveu uma pancreatite crônica (inflamação do pâncreas), apresentando intensa dor abdominal, náuseas, diarreia e cansaço constante. A esposa, possuidora de imensa fé, ora pedindo a cura de seu marido e é atendida pela Espiritualidade. Tão logo os Espíritos realizam a cura, o marido retoma sua vida desregrada e ao hábito de ingerir álcool diariamente. Apesar de o pedido da esposa ter sido legítimo, visando o bem-estar do marido, melhor teria sido não haver cura física, porque a verdadeira cura seria a mudança de comportamento do marido, a superação do vício.
A fé pode trazer o entendimento das dificuldades espirituais propostas, pode ser a força para a cura espiritual. Sim! A cura de uma “doença espiritual”, de um vício, de uma conduta errática, que não seria possível com uma boa saúde.
Mais de 40 versículos bíblicos falam sobre cura e fé: “E a oração da fé salvará o doente, e o Senhor o levantará, e, se houver cometido pecados, ser-lhe-ão perdoados” (Tiago 5:15); “E Ele lhe disse: Filha, a tua fé te salvou, vai em paz, e sê curada deste teu mal.” (Marcos 5:34); “Vai, e dize a Ezequias: Assim diz o Senhor, o Deus de Davi teu pai: Ouvi a tua oração, e vi as tuas lágrimas; eis que acrescentarei aos teus dias quinze anos” (Isaías 38:5).
Quando Jesus disse aos discípulos que se tivessem fé do tamanho de um grão de mostarda, poderiam mover uma montanha (Mateus 17:20), Ele queria que fosse entendido que a montanha eram os problemas, as dificuldades, as más inclinações, que poderiam ser ultrapassadas, rumo ao caminho do bem e do progresso espiritual.
A fé tem que estar presente no enfrentamento de qualquer tipo de doença, física ou mental, adquirida ou planejada. É a fé que sustenta o Espírito. A fé não pode estar presente apenas nos momentos difíceis, mas sim permanentemente. Se a pessoa “tem fé” somente nos momentos dolorosos, ela está, na verdade, barganhando, negociando com Deus.
Deve-se sempre lembrar que a fé está baseada no fato de que o Espírito encarnado é uma pequena criatura, parte do Criador, que necessita do seu constante amparo e infinita misericórdia. Trazendo dentro de si sentimentos como egoísmo, orgulho, prepotência, não é possível solidificar a fé. É extremamente importante recordar que a fé não é sólida e constante, mas sim construída e mantida diariamente, na certeza de que Deus está comando. Da mesma forma, orar e ter fé faz parte do processo de cura de pessoas enfermas, lembrando sempre da importância do tratamento médico necessário, que deve sempre ser concomitante à busca espiritual.
Também deve haver vigilância para não se deixar influenciar por vibrações negativas que abalam a fé, mas sim a fortalecer pela prática do bem e a constante conexão com o plano superior, através de preces, da rotina do Evangelho no Lar, da frequência ao Centro Espírita, de entretenimentos edificantes para a evolução espiritual, da reforma íntima.
Uma pessoa de grande força e vontade, de fé verdadeira, que ora com sinceridade pode alcançar, conforme seu merecimento, a cura física, por beneficência da Espiritualidade. Porém, quando uma cura não é alcançada, não há motivo para a perda da fé. A ausência da cura de uma doença, pode ser a verdadeira cura para o Espírito.
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Referências
KARDEC, Allan. A Gênese: os milagres e as predições segundo o espiritismo, organizador Claudio Damasceno Ferreira Júnior. 1ª ed. Porto Alegre: BesouroBox, 2018.
KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns, tradução de Guillon RIbeiro. Campos dos Goytacazes/RJ: Editora Letra Espírita, 2023.
XAVIER, Francisco Cândido. No Mundo Maior, pelo Espírito André Luiz. 28ª ed. Brasília: FEB, 2017.
XAVIER, Francisco Cândido. O Consolador, pelo Emmanuel. 29ª ed. Brasília: FEB, 2017.
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